REFLEXÕES SOBRE A APOSENTADORIA DO CIRURGIÃO

A carreira de um cirurgião é marcada por anos de estudo intenso, dedicação e compromisso inabalável com a vida humana. No entanto, o peso dessa nobre profissão não se restringe apenas ao rigor técnico das intervenções cirúrgicas; ele também se manifesta através do desgaste físico e emocional acumulado ao longo dos anos. Conforme os cirurgiões avançam em idade, enfrentam não apenas as limitações físicas, mas também um desafio decisivo: reconhecer o momento apropriado para se retirar. Uma citação ressoa com particular profundidade nesse contexto: “O verdadeiro desafio da arte cirúrgica não está apenas nas mãos que operam, mas também no discernimento de quando essas mãos devem se retirar.”

Identificar o momento certo para considerar a aposentadoria é um processo tanto introspectivo quanto pragmático. Sinais físicos, como diminuição da destreza, mudanças no tempo de reação e capacidade reduzida de se adaptar a novas tecnologias e procedimentos, podem servir como indicativos claros. No entanto, a questão transcende a simples autoavaliação física. Exige-se do cirurgião uma profunda reflexão sobre o equilíbrio entre sua valiosa experiência e as inevitáveis limitações impostas pelo envelhecimento. O discernimento para reconhecer essas mudanças é essencial, pois a habilidade de realizar procedimentos complexos sob pressão não é imune aos efeitos do tempo. Aristóteles uma vez observou: “Conhecer a si mesmo é o início de toda sabedoria.”

A transição para a aposentadoria carrega forte componente emocional. Para muitos cirurgiões, a profissão é uma parte central de sua identidade, e afastar-se dessa atividade pode parecer uma perda significativa. É crucial, portanto, desenvolver estratégias para lidar com essa mudança de vida. Isso pode envolver desde a busca por apoio emocional até o engajamento em hobbies ou atividades que proporcionem satisfação e sentido de propósito continuado.

A preparação para o futuro envolve não apenas o planejamento pessoal, mas também a responsabilidade de guiar e ensinar a próxima geração de cirurgiões. Transmitir conhecimento e experiência é fundamental para garantir a qualidade e a segurança da prática cirúrgica no futuro. Além disso, muitos cirurgiões encontram novas paixões e oportunidades em atividades como mentoria, ensino ou consultoria, que lhes permitem continuar contribuindo significativamente para a comunidade médica. Essas atividades proporcionam não só uma transição suave para a aposentadoria, mas também o sentido renovado de utilidade e realização.

Oliver Wendell Holmes, médico e poeta americano, escreveu: “A vida de um médico é como uma longa viagem, cheia de mudanças, com novos aprendizados e a contínua passagem de conhecimento para as gerações futuras.” A aposentadoria do médico não é o fim de sua arte, mas a passagem para um novo capítulo, ou seja, o conhecimento e a sabedoria são passados para a próxima geração. Essa citação reflete sobre a beleza e a complexidade da cirurgia, tratando a aposentadoria não como um término, mas como uma transição, enfatizando a importância da mentoria e do legado no campo da medicina.

Esta é uma visão compreensiva sobre o delicado momento de transição na carreira de um cirurgião idoso, enfatizando a importância do autoconhecimento e do planejamento cuidadoso para essa nova fase da vida.

O Dever de Concluir com Cuidado e Compaixão

À medida que os cirurgiões avançam em suas carreiras, a acumulação de experiência oferece uma riqueza de conhecimento que pode salvar vidas. No entanto, esse mesmo avançar dos anos traz consigo limitações físicas e cognitivas que podem alterar a capacidade cirúrgica. Um dilema se apresenta: até que ponto a experiência pode compensar essas limitações sem comprometer a segurança do paciente? Reflexões surgem: “A sabedoria do cirurgião experiente deve sempre ser temperada com a conscientização de suas próprias limitações.” Este texto explora os riscos associados à prática cirúrgica por profissionais idosos e as estratégias para mitigá-los, garantindo tanto a segurança do paciente quanto a integridade do cirurgião.

O primeiro passo para gerenciar os riscos na cirurgia realizada por profissionais idosos é o reconhecimento honesto e aberto dessas limitações. Estudos indicam que mudanças no tempo de reação, diminuição da destreza manual e o aumento do cansaço físico podem influenciar negativamente o desempenho durante procedimentos complexos. A reflexão de Oliver Wendell Holmes ecoa profundamente aqui: “Para ser um grande médico, é necessário ter uma grande dose de compreensão da natureza humana.” Compreender e aceitar as próprias mudanças naturais é crucial. A conscientização desses riscos não somente protege o paciente, mas também preserva a dignidade e o legado do cirurgião.

Admitir limitações não é uma demonstração de fraqueza, mas de sabedoria e responsabilidade profissional. Nós sugerimos a implementação de avaliações periódicas das habilidades físicas e cognitivas dos cirurgiões, permitindo autoavaliação contínua e feedback construtivo de colegas. Tal prática promove um ambiente de transparência e segurança. Como afirmado por Sócrates, “A vida não examinada não vale a pena ser vivida”, e isso se aplica também à carreira médica. Cirurgiões que avaliam continuamente suas capacidades estão mais bem equipados para tomar decisões prudentes sobre sua prática. “O burnout também tem sido fortemente associado à baixa satisfação na carreira. Como resultado, não é surpreendente que esteja associado a uma tendência para aposentadoria precoce ou redução do esforço de trabalho.” – Jacob Moalen. Os cirurgiões são encorajados a começar a planejar sua aposentadoria com pelo menos cinco anos de antecedência, considerando investimentos financeiros, atividades pós-aposentadoria e suporte emocional.

Para cirurgiões que enfrentam os inevitáveis efeitos do envelhecimento, existem diversas adaptações possíveis que podem permitir a continuação de sua prática de forma segura e eficaz. Isso pode incluir a redução do volume de operações, a seleção de procedimentos menos exigentes fisicamente ou a colaboração mais estreita com colegas mais jovens. Além disso, a tecnologia médica moderna, como a robótica cirúrgica, pode ser uma ferramenta valiosa para auxiliar cirurgiões experientes, permitindo-lhes continuar a contribuir com suas habilidades sem comprometer sua saúde ou a segurança do paciente.

“O fim da carreira de um cirurgião não é uma mera conclusão; é um momento de grande introspecção e oportunidade. A medicina consome tanto de nós que, ao nos afastarmos, podemos finalmente ver o vasto impacto de nosso trabalho e o legado que deixamos. Devemos abraçar a aposentadoria não como uma retirada, mas como uma chance de cultivar uma nova forma de influência — ensinando, escrevendo e guiando os mais jovens — continuando a moldar o futuro da medicina muito além da sala de operações.” A citação de Atul Gawande enfatiza a ideia de que a aposentadoria oferece aos cirurgiões a oportunidade de refletir sobre suas carreiras e encontrar novas maneiras de contribuir, sustentando o conceito de um legado contínuo que transcende o tempo.

Ofereci uma visão clara e abrangente dos desafios enfrentados por cirurgiões idosos, enfatizando a importância da autoconsciência, das adaptações práticas e do uso estratégico de tecnologia para sustentar a prática cirúrgica. Com essas estratégias, os cirurgiões podem honrar seu legado, proteger seus pacientes e adaptar-se às mudanças de suas próprias capacidades.

Histórias de Aposentadoria de Cirurgiões Idosos

Cirurgião Idoso – Dr. Paulo, 80 anos

Após uma carreira ilustre de 50 anos na cirurgia de câncer, Dr. Paulo, agora com 80 anos, decidiu que era hora de se aposentar. Conhecido por sua destreza técnica e compaixão, ele deixou uma marca indelével no campo da cirurgia. No entanto, a transição para a aposentadoria trouxe novos desafios. “Eu sabia que não podia simplesmente parar de trabalhar e ficar ocioso”, relata Dr. Paulo. Determinado a manter-se ativo e útil, ele encontrou novas paixões para preencher seus dias. Dr. Paulo agora dedica seu tempo ao ensino, ministrando palestras e workshops para jovens cirurgiões, compartilhando sua vasta experiência e sabedoria. Além disso, ele participa ativamente de programas de voluntariado, oferecendo consultas médicas gratuitas para comunidades carentes. “A aposentadoria me deu a oportunidade de retribuir à sociedade e continuar a fazer a diferença”, diz ele com orgulho.

Cirurgiã Idosa – Dra. Angela, 81 anos

Dra. Angela, aos 81 anos, é uma das pioneiras na cirurgia oncológica e foi uma das primeiras mulheres a se destacar nesse campo. Sua carreira, marcada por inovações e dedicação incansável aos pacientes, terminou oficialmente há seis anos, mas sua paixão pela medicina nunca diminuiu. “A cirurgia foi minha vida por décadas, e a ideia de parar era assustadora”, confessa Dra. Angela. Para manter-se ocupada, ela se envolveu em várias atividades que mantêm sua mente ativa e seu espírito elevado. Dra. Angela agora escreve artigos e livros sobre suas experiências, contribuindo para a literatura médica e inspirando novas gerações de cirurgiões. Ela também se voluntaria em organizações de apoio a pacientes com câncer, oferecendo orientação e apoio emocional para aqueles que enfrentam a doença. “A aposentadoria não significa o fim da minha jornada; é apenas um novo capítulo onde posso continuar a impactar vidas de maneiras diferentes”, afirma Dra. Angela.

Cirurgião Idoso – Dr. Ricardo, 79 anos

Dr. Ricardo, aos 79 anos, olha para trás com orgulho de uma carreira de mais de 45 anos como cirurgião de câncer. Conhecido por sua precisão e empatia, ele ajudou a salvar inúmeras vidas e se tornou uma figura respeitada em sua área. No entanto, ao aproximar-se da aposentadoria, Dr. Ricardo percebeu que ainda havia muito que ele queria experimentar fora da sala de cirurgia. “Passei a maior parte de minha vida dedicado ao trabalho, mas sabia que ainda havia aventuras por viver e momentos para compartilhar com minha família”, explica ele. Agora aposentado, Dr. Ricardo decidiu dedicar o resto de sua vida a realizar as viagens que sempre sonhou. “Há tantos lugares no mundo que ainda não vi”, diz ele com entusiasmo. Além disso, ele retomou seu antigo amor pelo tênis, um esporte que sempre trouxe alegria e desafio. “O tênis me mantém ativo e competitivo, é uma maneira maravilhosa de me manter em forma e socializar”, acrescenta. Mas, acima de tudo, Dr. Ricardo valoriza o tempo com sua família, especialmente com seus netos e netas. “Nada se compara à alegria de ver meus netos crescerem e poder estar presente em suas vidas”, afirma ele com um sorriso. Dr. Ricardo participa ativamente das atividades escolares, jogos de futebol, recitais de música e outros eventos importantes na vida de seus netos. “A convivência com a família é o que realmente enche meu coração de alegria”, conclui. Para Dr. Ricardo, a aposentadoria é uma oportunidade de viver plenamente, equilibrando aventuras pessoais, saúde física e laços familiares fortes. “Finalmente tenho o tempo para fazer tudo o que sempre quis, e estou aproveitando cada momento”, afirma com satisfação.

Declaração sobre a Manutenção da Competência ao Longo da Vida dos Cirurgiões (Statement on Sustaining the Lifelong Competency of Surgeons – ACS – 2024)

A Declaração sobre a Manutenção da Competência ao Longo da Vida dos Cirurgiões do American College of Surgeons (ACS) aborda a crescente preocupação com a manutenção da competência profissional dos cirurgiões à medida que a idade média dos praticantes aumenta nos EUA. A idade média dos cirurgiões em atividade está aumentando juntamente com a da população americana. Mais de 40% dos médicos nos EUA terão 65 anos ou mais na próxima década com o envelhecimento da população cirúrgica, o ACS enfatiza a importância de garantir que os cirurgiões mantenham sua competência ao longo de suas carreiras, sem impor uma idade de aposentadoria obrigatória, pois o declínio de habilidades varia entre os indivíduos e a aposentadoria obrigatória poderia prejudicar o acesso aos cuidados, especialmente em áreas rurais.

O ACS destaca a importância do bem-estar físico, mental e emocional para o desempenho profissional e não apoia a aposentadoria obrigatória, preferindo avaliações objetivas de competência. Reconhece-se que os cirurgiões podem não perceber o declínio de suas habilidades, e colegas de trabalho são essenciais para identificar sinais iniciais, como esquecimentos e mau julgamento clínico.

Cirurgiões seniores podem desempenhar um papel vital em seus hospitais e comunidades, e seu conhecimento e anos de experiência podem ser recursos valiosos. O planejamento de transição deve permitir oportunidades para cirurgiões dispostos e capazes, à medida que renunciam a seus papéis clínicos operativos, para seu envolvimento em ensino, assistência cirúrgica, pesquisa, administração, revisão por pares, e, mais importante, orientação e treinamento de cirurgiões juniores, profissionais de prática avançada, enfermeiros, treinandos e outros membros da equipe.

A triagem de competência deve ser rotineira e inclusiva para criar uma cultura de segurança e equidade, ajudando a identificar e adaptar práticas diante de déficits iniciais. Colegas e funcionários devem poder relatar preocupações sem medo de retaliação, e ferramentas de avaliação podem ser usadas para avaliar a função neurocognitiva. Os métodos de avaliação incluem revisões de prontuários, observação de casos na sala de operações, feedback de pacientes e avaliações neurocognitivas. Intervenções em caso de problemas podem incluir remediação, restrição do escopo de prática ou aposentadoria, com decisões tomadas por comitês de credenciamento seguindo um processo justo e confidencial. Quando necessário, cirurgiões podem ser encaminhados para centros especializados para avaliações abrangentes, com custos cobertos pelo hospital ou equipe médica.

São necessárias mais pesquisas para desenvolver testes de triagem precisos e confiáveis para identificar declínios na competência dos cirurgiões. O planejamento de transição de carreira deve valorizar os cirurgiões seniores, permitindo que contribuam com ensino, assistência cirúrgica, pesquisa e orientação, utilizando sua vasta experiência. Hospitais devem desenvolver políticas de acordo com regulamentações estaduais e federais, ajustadas às necessidades locais. A integração bem-sucedida de avaliações de competência requer apoio das partes interessadas, recursos financeiros e infraestrutura adequada.

Em resumo, a declaração do ACS estabelece uma abordagem baseada em evidências para monitorar e apoiar a competência dos cirurgiões ao longo de suas carreiras, promovendo uma cultura de segurança, equidade e apoio, enquanto valoriza as contribuições dos cirurgiões seniores.

Dr. José Reinan Ramos – Membro do Conselho Superior do CBC

LIVRO: JORNADA EMOCIONAL DO CIRURGIÃO DE C NCER
file:///C:/Users/centrodecirurgia/Downloads/capa-jornadaemocional-15,5×23-090824%20(4).pdf

1- ROSENGART TK; Chen JH; Gantt NL; et al. Sustaining the Lifelong Competency of Surgeons: A Multimodality Empowerment Personal and Institutional Strategy. J Am Coll Surg:10.1097/XCS.0000000000001066, April 09, 2024. | DOI: 10.1097/XCS.0000000000001066https://www.facs.org/about-acs/statements/sustaining-the-lifelong-competency-of-surgeons/
2- PEREGRIN, Tony; ACS Provides Guidance for Senior Surgeons Facing an Age-Old Question-May 8, 2024. https://www.facs.org/for-medical-professionals/news-publications/news-and-articles/bulletin/2024/may-2024-volume-109-issue-5/acs-provides-guidance-for-senior-surgeons-facing-an-age-old-question/