A primeira linha de defesa: Prevenção e Triagem do Câncer

Prevenir o câncer é ainda melhor do que curá-lo. Quando o câncer se tornar a principal causa de morte — como em breve será — a prevenção do câncer se tornará nossa principal causa de vida– Madeline Drexler.

Os avanços nas terapias contra o câncer nas últimas três décadas, combinados com a redução do tabagismo e a detecção precoce de alguns tipos de câncer, resultaram em uma queda constante na mortalidade por câncer, prevenindo mais de 4 milhões de mortes nos Estados Unidos desde 1991. Contudo, apesar desses avanços, o câncer permanece uma doença devastadora, com a estimativa de que em 2024 mais de 611.000 pessoas perderão a vida para essa doença nos Estados Unidos, e quase 10 milhões no mundo todo.

Embora a doença cardiovascular seja atualmente a principal causa de morte nos Estados Unidos, representando cerca de 700.000 mortes anuais e sendo uma causa importante de mortalidade em todo o mundo, morrer de câncer agora é mais comum em alguns países de renda alta e média, e projeta-se que as taxas de mortalidade por câncer nos Estados Unidos superarão as de doenças cardiovasculares em um futuro próximo. As taxas de incidência de câncer nos Estados Unidos e em todo o mundo estão aumentando, e a Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que, até 2050, haverá 35 milhões de novos casos de câncer, um aumento de 77% em relação aos 20 milhões de casos estimados em 2022.

No próximo ano, pela primeira vez, os novos casos de câncer nos EUA deverão ultrapassar a marca alarmante de 2 milhões. Isso equivale a quase 5.500 diagnósticos de câncer por dia. Essa tendência é amplamente influenciada pelo envelhecimento e crescimento da população, além do aumento nos diagnósticos de 6 dos 10 tipos de câncer mais comuns—mama, próstata, endometrial, pancreático, renal e melanoma. As disparidades raciais no câncer são marcantes e persistentes nos EUA. Na verdade, a taxa de mortalidade para pessoas negras com câncer de próstata, estômago e útero é o dobro da taxa para pessoas brancas. Pessoas hispânicas têm taxas mais baixas dos tipos de câncer mais comuns, como mama e próstata, em comparação com brancos não hispânicos, mas apresentam uma das taxas mais altas de cânceres relacionados a infecções.

“Essas populações foram sujeitas à discriminação racial por centenas de anos. A desigualdade resultante em riqueza levou a menos acesso a alimentos frescos, locais seguros para viver e se exercitar, e ao recebimento de prevenção, detecção precoce e tratamento de câncer de alta qualidade,” diz a Dra. Rebecca Siegel,

No final dos anos 1990 nos EUA, o câncer colorretal era a quarta principal causa de morte por câncer em homens e mulheres com menos de 50 anos e agora é a principal causa de morte por câncer em homens e a segunda em mulheres dessa idade. Pessoas que sabem ter histórico familiar dessa doença devem iniciar o rastreamento do câncer colorretal antes dos 45 anos. O câncer cervical está aumentando em uma população ainda mais jovem—mulheres entre 30 e 44 anos que não foram vacinadas contra o HPV.

No Brasil, o câncer é uma das principais causas de morbidade e mortalidade, representando um importante desafio de saúde pública para o país. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), estima-se que ocorram cerca de 704 mil novos casos de câncer por ano no Brasil, com uma incidência maior em homens do que em mulheres. Os tipos mais comuns de câncer no Brasil incluem câncer de pele não melanoma, câncer de mama (74 mil), câncer de próstata (72 mil), câncer de cólon e reto (46 mil), câncer de pulmão (32 mil) e câncer do estômago (21 mil).

 

As razões para o aumento do câncer são complexas e incluem uma população em crescimento e envelhecimento; uso de tabaco e álcool; fatores de risco relacionados ao clima, como exposição à poluição do ar e outros carcinógenos; obesidade; e um aumento alarmante de cânceres precoces em adultos jovens. Os custos médicos crescentes, que devem ultrapassar 245 bilhões de dólares até 2030; a escassez atual e iminente de profissionais de oncologia e cuidados primários; novos modelos de negócios que fragmentam ainda mais um sistema de saúde já fraturado; e o acesso desigual a terapias preventivas e potencialmente curativas ameaçam minar os avanços no tratamento do câncer. No entanto, esses fatores também sugerem novas oportunidades para transformar fundamentalmente a maneira como o cuidado será prestado nas próximas décadas.

A solução para minimizar o aumento da incidência do câncer é a Prevenção. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 30% e 50% de todos os cânceres são preveníveis ao abordar fatores de risco conhecidos, incluindo o uso de tabaco e álcool, sedentarismo, obesidade e sobrepeso, infecções cancerígenas como hepatite e papilomavírus humano, poluição ambiental e carcinógenos ocupacionais.

Para mitigar o aumento das taxas de incidência e mortalidade por câncer, o câncer deve ser visto não apenas como uma doença tratável e curável, mas, igualmente importante, como uma doença prevenível, conforme enfatiza o Dr.Timothy R. Rebbeck em sua entrevista para o The ASCO Post(2024). Ele destacou a necessidade de um esforço mais concentrado para prevenir e detectar o câncer em seus estágios iniciais, visando alterar a trajetória futura da incidência e mortalidade da doença. Segundo o Dr. Rebbeck, ” Para reduzir significativamente o peso do câncer em escala populacional, devemos prevenir o câncer. A prevenção de todos os cânceres é teoricamente possível, mas nem todos os cânceres têm atualmente estratégias eficazes de prevenção. Por exemplo, os cânceres mais fatais, como os cânceres pancreático e ovariano, não possuem modalidades eficazes de prevenção ou detecção precoce. Todos os cânceres são, pelo menos em parte, impulsionados por influências genéticas, e a questão é o que podemos aprender através da pesquisa sobre esse risco genético para desenvolver uma estratégia preventiva ou um protocolo de estratificação de risco para pessoas com alto, médio e baixo risco de desenvolver câncer. Vamos sempre precisar de bons tratamentos; mas não podemos resolver esse problema apenas com tratamentos. Para fazer uma diferença significativa em termos de saúde pública, precisamos prevenir o câncer.”

A triagem e a detecção precoce são componentes essenciais na prevenção do câncer, representando um dos avanços mais significativos na medicina moderna. Exames regulares podem identificar o câncer em estágios iniciais, quando é mais tratável e as chances de cura são significativamente maiores. Com o desenvolvimento de tecnologias avançadas e uma compreensão mais profunda da genética, as estratégias de prevenção e detecção precoce do câncer têm evoluído rapidamente, oferecendo novas esperanças e possibilidades para milhões de pessoas ao redor do mundo.

 

Os exames genéticos e os testes de DNA revolucionaram a forma como abordamos a prevenção do câncer. A análise genética permite identificar mutações hereditárias que aumentam o risco de desenvolver certos tipos de câncer, como as mutações BRCA1 e BRCA2, associadas ao câncer de mama e ovário. Indivíduos com histórico familiar de câncer podem se beneficiar desses testes para tomar decisões informadas sobre medidas preventivas, como a vigilância intensificada ou intervenções profiláticas. Além disso, a sequenciação do DNA tumoral está se tornando uma ferramenta crucial para a detecção precoce. Testes de biópsia líquida, que analisam fragmentos de DNA tumoral circulante no sangue, podem detectar a presença de câncer antes mesmo de os sintomas aparecerem. Esses testes oferecem uma abordagem minimamente invasiva e têm o potencial de revolucionar a triagem de cânceres difíceis de detectar, como o câncer de pâncreas e o câncer de pulmão.

 

A introdução de vacinas para a prevenção do câncer é uma das inovações mais promissoras na área da saúde pública. A vacina contra o vírus do papiloma humano (HPV) é um exemplo notável. O HPV é responsável por quase todos os casos de câncer cervical, bem como uma proporção significativa de cânceres de garganta, ânus e genitais. A vacinação contra o HPV tem demonstrado ser altamente eficaz na prevenção dessas malignidades, e programas de vacinação em larga escala estão contribuindo para a redução da incidência de cânceres relacionados ao HPV em várias partes do mundo. Outra vacina de importância crescente é a vacina contra a hepatite B, que previne a infecção pelo vírus da hepatite B, um fator de risco conhecido para o câncer de fígado. A imunização universal contra a hepatite B tem mostrado uma redução significativa na incidência de câncer hepático em populações vacinadas.

 

Os avanços nas tecnologias de imagem têm aprimorado significativamente a capacidade de detectar cânceres em estágios iniciais. A mamografia digital, a tomossíntese mamária (também conhecida como mamografia 3D) e a ressonância magnética (RM) são ferramentas poderosas na triagem do câncer de mama, permitindo a detecção de lesões menores e mais sutis. Para o câncer colorretal, além da colonoscopia tradicional, a colonografia por tomografia computadorizada (colonoscopia virtual) oferece uma alternativa menos invasiva com alta precisão. A tomografia computadorizada de baixa dose (LDCT) é o único teste de rastreamento recomendado para o câncer de pulmão. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) combinada com a tomografia computadorizada (CT) está sendo cada vez mais utilizada para a monitorização dos pacientes com câncer, proporcionando imagens detalhadas e funcionais dos tumores.

 

A inteligência artificial (IA) é a nova fronteira da triagem e está emergindo como uma ferramenta poderosa na prevenção e detecção precoce do câncer. Algoritmos de IA podem analisar grandes volumes de dados médicos, incluindo exames de imagem, históricos de pacientes e resultados de testes genéticos, para identificar padrões sutis que podem escapar à observação humana. A IA tem demonstrado grande eficácia na interpretação de mamografias, tomografias e ressonâncias magnéticas, aumentando a precisão dos diagnósticos e reduzindo a incidência de falsos positivos e negativos. Além disso, a IA pode auxiliar na personalização de estratégias de prevenção, analisando dados genéticos e de estilo de vida para fornecer recomendações individualizadas. Por exemplo, algoritmos podem prever quais pacientes têm maior risco de desenvolver certos tipos de câncer e sugerir medidas preventivas específicas, como mudanças na dieta, aumento da atividade física ou exames de triagem mais frequentes. A aplicação da IA em biópsias líquidas também está avançando, com algoritmos capazes de detectar padrões no DNA tumoral circulante que indicam a presença de câncer em estágios muito iniciais. Essa abordagem pode transformar a detecção precoce, permitindo intervenções mais rápidas e menos invasivas.

 

Os testes de DNA para detecção precoce de câncer têm mostrado resultados promissores, com algumas limitações dependendo do tipo de teste, do tipo de câncer e do estágio da doença.  Os testes de biópsia líquida, como o Galleri, por exemplo, podem detectar mais de 50 tipos de câncer, especialmente aqueles que não possuem métodos de triagem estabelecidos, como os cânceres de pâncreas, esôfago, ovário e fígado com uma taxa de falsos positivos abaixo de 1%. Estudos mostram que ele tem uma precisão alta para cânceres agressivos e difíceis de detectar, como os de pâncreas e ovário, mas sua eficácia em cânceres de crescimento mais lento, como o de próstata, é menor.

                                     


4 de fevereiro
– Dia Mundial do Câncer 2025: Unidos pelo Único – A Visão da Organização Mundial da Saúde para um Cuidado Centrado nas Pessoas

Este ano marca o início da campanha “Unidos pelo Único”, que promove uma abordagem centrada nas pessoas no cuidado do câncer. Essa visão coloca indivíduos e comunidades no centro, em vez de focar apenas na doença. Ao integrar plenamente as necessidades únicas de cada pessoa, com compaixão e empatia, alcançamos os melhores resultados em saúde.

“Unidos pelo Único” nos lembra que cada experiência com o câncer é única, e será preciso a união de todos para construir um cuidado oncológico que vá além do diagnóstico, enxergando o ser humano antes do paciente.

A prevenção do câncer está em suas mãos — e começa com as suas escolhas diárias. Pequenas mudanças podem transformar vidas. Cada decisão que você toma, desde o que coloca no prato até como movimenta seu corpo e cuida do seu descanso, é um ato poderoso de autocuidado e um compromisso com a sua saúde. Você possui o incrível poder de reduzir significativamente o risco de câncer e construir um futuro mais saudável, não apenas para si, mas também para aqueles que ama. A prevenção não é apenas um ideal — é uma conquista ao seu alcance, que começa com a sua determinação em agir hoje. A decisão de transformar sua vida está em você.

José Reinan Ramos- TCBC

Referências

 1-Madeline Drexler is editor of Harvard Public Health

https://www.hsph.harvard.edu/magazine/magazine_article/the-cancer-miracle-isnt-a-cure-its-prevention/

2-Rebecca L. Siegel MPH, Angela N. Giaquinto MSPH, Ahmedin Jemal DVM, PhD First published: 17 January 2024 https://doi.org/10.3322/caac.21820  Cancer statistics, 2024

3-Timothy Rebbeck -Professor Vincent L. Gregory Jr. de Prevenção de Câncer na Harvard T.H. Chan School of Public Health.  https://ascopost.com/issues/may-25-2024/the-future-of-cancer-care/

4- Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC). (2024). Lyon, França; Genebra, Suíça: Organização Mundial da Saúde. (OMS) https://www.iarc.who.int/

5 – WHO Global Action Plan for the Prevention and Control of NCDs. https://www.who.int/activities/preventing-cancer

6- Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. “Estimativa 2023: Incidência de Câncer no Brasil.” INCA, 2023, https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//estimativa

7- CDC /US Preventive Services Task Force. https://www.cdc.gov/cancer/prevention/screening.html

8- https://www.genomicseducation.hee.nhs.uk/blog/first-results-returned-from-nhs-cancer-blood-test/