A música e a telemedicina

“Sem música, a vida seria um erro”, escreveu o filósofo e compositor Friedrich Nietzsche.

O ensaísta Jacques de Bourbon-Busset afirmou: “Tudo é música. Uma pintura, uma paisagem, um livro, uma viagem vale apenas se a sua música puder ser ouvida.” Essas frases foram lembradas pelo excelente cirurgião cardíaco-pediátrico e músico francês Pascal Vouhé, na sua palestra do Congresso da Associação Europeia de Cirurgia, em 2011, na Suíça.

A finalidade da “ciência” cirúrgica é aparentemente simples: restaurar a anatomia ou a fisiologia de quem se submete a um procedimento cirúrgico, utilizando-se das melhores informações – evidências científicas. Mas não se pode esquecer a dimensão humanista da medicina – empatia e compaixão –, muito semelhante à da música que nos sensibiliza. 

Em 1914, Evan Kane, cirurgião norte-americano, teve a ideia de levar um gramofone para a sala de cirurgia, pois acreditava que música suave ajudaria o paciente a relaxar antes de receber anestesia. 

Mas, afinal, ouvir música na sala de operações é útil ou prejudicial às cirurgias? Há estudos que demonstram que o ruído nas salas de cirurgia pode exceder 100 decibéis, mais alto que numa rua movimentada. Para alguns, a música poderia ser vista como um acréscimo ao ruído, porém muitos juram que a melodia escolhida consensualmente pela equipe acalma e melhora o seu desempenho.

Na verdade, música é magia. 

Leopold Auenbrugger, que descreveu a percussão do tórax, e René Laënnec, inventor do estetoscópio, eram médicos brilhantes, além de compositores e músicos excelentes, o que lhes auxiliou a criarem invenções tão revolucionárias à época, a ponto de gerarem intensos debates para serem aceitas.

Numa semana particularmente difícil, cuidando de doentes graves e participando de um enorme debate sobre telemedicina, relaxei ouvindo a “Abertura 1812”, de Tchaikovsky. Essa sinfonia foi composta para celebrar os 70 anos da vitória russa sobre Napoleão, considerado até então imbatível, e o primeiro aniversário da coroação do Tzar Alexandre III. Na sua parte final, o magistral compositor russo alternou acordes de “La Marseillaise”, o hino da França, com canções do folclore russo, entremeadas, nos acordes finais, com tiros de canhão, dessa forma subjugando o hino francês e festejando a vitória russa.

Com uma ardente discussão sobre telemedicina acontecendo neste momento, convido os debatedores a assistirem a “O lago dos cisnes”, reconhecido como uma das mais famosas peças do balé mundial e também composto por Tchaikovsky. Sua história e sua música poderão ajudar a encontrar, sem feitiços, um caminho mais adequado e harmônico, no qual a informática ajude a medicina e não torne a medicina mais um negócio de informática.

A medicina tem sua base na ciência, em métricas, mas sua magia está na harmonia e no humanismo, como numa música encantadora, da qual jamais pode se afastar.

TCBC Alfredo Guarisch

Artigo publicado na edição on-line do jornal O Globo – dia 12/02/2019.