Aldo Cordovil e a autotransfusão

Cirurgião carioca inventou, ainda nos anos 20, jogo de seringas que permitia coletar o sangue que se perdia nas cirurgias e, imediatamente, reintroduzi-lo na circulação do paciente.

Transfusão de sangue é um transplante que, como os demais, para ser bem sucedido, precisa da compatibilidade entre doador e receptor. A doação é um ato de amor e totalmente voluntário. 

A história da transfusão de sangue é mais uma prova de como a audácia revolucionou a medicina.

Em 1829, foi publicado na revista The Lancet o primeiro caso de transfusão sanguínea com sucesso, realizada pelo obstetra inglês James Blundell. Esse feito não diminuiu o dilema de quando transfundir, na época um procedimento de grande risco, pelo completo desconhecimento dos tipos sanguíneos, identificados apenas em 1901.

O inconformismo médico diante da morte foi agraciado em 1886, quando John Duncan, cirurgião de Edimburgo, publicou no British Medical Journal o primeiro relato de sucesso no aproveitamento do sangue do próprio paciente.
Posteriormente, com a descoberta dos tipos sanguíneos, as transfusões começaram a ser mais realizadas, mas nunca foi uma tarefa simples manter estoque adequado de sangue.

Um novo capítulo da medicina começou a ser escrito no Rio de Janeiro, pela ousadia do cirurgião Aldo Cordovil da Silveira (1901-1960). Ele inventou um engenhoso jogo de seringas que permitia coletar o sangue que se perdia nas cirurgias e quase que imediatamente reintroduzi-lo na circulação do paciente através de uma veia puncionada no braço. Num artigo revolucionário na Revista de Gynecologia e D’Obstetricia, em 1937, descreveu a primeira auto-hemotransfusão, feita, em 1926, numa paciente com gravidez tubária, assim como o que aprendeu com seus subsequentes 30 pacientes transfundidos no Pronto-Socorro, atual Hospital Municipal Souza Aguiar. 

Era julho de 1947 quando, em O Globo, o Hospital da Sociedade Espanhola de Beneficência agradeceu a Aldo por seus serviços como diretor da entidade e por ser seu grande benemérito. Incrivelmente, em novembro do mesmo ano, esse irrequieto e independente profissional foi demitido da chefia do serviço de cirurgia do hospital. Sem se intimidar, Cordovil recorreu ao Supremo Tribunal Federal e três anos depois recebeu uma indenização para reparo da injustiça que sofreu. 

Pedro Nava, médico e escritor, em seu livro “O Círio Perfeito”, contou seu primeiro e belicoso encontro com o destemido cirurgião. Anos depois, Aldo assumiu o lugar de Nava como Diretor do Hospital Carlos Chagas: novo embate. Ao final de sua vida, Aldo reencontra Nava, e daí surge uma amizade, com o escritor descrevendo Aldo como “…colega de primeira grandeza, honesto, grande operador… quando morreu ficou sendo uma de minhas saudades”.

Hoje dispomos de modernas máquinas para recuperação intraoperatória de sangue, de grande valia em transplantes de fígado e cirurgias cardíacas. Contudo, na imensa maioria dos hospitais públicos de emergência, onde há desesperadora escassez de sangue, inexiste essa moderna tecnologia. 

O inconformismo de Aldo Cordovil deixou muitos seguidores, que, apesar de todas as dificuldades, continuam salvando vidas, de forma anônima, Brasil afora.