Labirinto Vertical

Médico é obrigado a atender seguindo protocolos rígidos

TCBC Alfredo Guarischi

Quem é o vilão pelo aumento dos custos da saúde?

Não faltam argumentos econômicos e sociais para justificar ou criticar esses aumentos. Criou-se até o termo inflação médica. Há algo errado quando o vilão sempre é o outro: médicos, hospitais, planos de saúde, governos, judiciário…

A criação do SUS (1988) e da ANS (1998) me remete à afirmação do dramaturgo francês Victor Hugo (1802-1885) de que “ser bom é fácil, o difícil é ser justo”. As ideais universalidade e equidade no atendimento na medicina vêm, a cada ano, mostrando sua inexequibilidade. Um abraço de afogados ou um novo cenário para “Os Miseráveis”.
Na constante evolução da medicina, o novo não substitui o antigo, mas o complementa. O raio-X não substituiu a história do paciente e o exame físico, assim como esse não foi substituído pela ultrassonografia, tomografia ou ressonância magnética. Utilizamos melhores próteses, marca-passos e stents, mas é inquestionável o valor de uma dieta saudável e do exercício físico regular.

Um sistema de saúde justo e com sustentabilidade deve priorizar desfechos claros, que permitam modelos de negócios ligando os resultados éticos e sociais. Faltam ações que conectem verdadeiramente pacientes, profissionais de saúde, instituições, operadoras, executivo, legislativo e judiciário.

O valor em medicina vem sendo definido como uma equação: o resultado terapêutico obtido dividido pelo seu custo. Dessa forma pode-se obter um valor “alto” limitando o custo do tratamento e aceitando-se um desfecho “padrão”. Poderemos obter igual valor, se o desfecho for melhor do que o histórico, mesmo com custo considerado inicialmente elevado. No entanto, medicina não é matemática.

“Um sistema de saúde justo e com sustentabilidade
deve priorizar desfechos claros, que permitam modelos de negócios
ligando os resultados éticos e sociais”.

Vejamos. Não mais se discute a vantagem do uso de videolaparoscopia em alguns tipos de cirurgia. Os novos produtos biológicos e quimioterápicos são outros exemplos. No entanto, esses tratamentos não são a realidade em muitos dos municípios e modelos de assistência.

Reajustes de preços de acordo com a temperatura política prejudicaram principalmente o contratante do plano de saúde individual. As operadoras praticamente suspenderam sua comercialização, contribuindo para inviabilizar milhões de atendimentos. Com isso, na última década, milhares de trabalhadores da saúde perderam emprego e leitos hospitalares foram fechados. Soluções alternativas como franquias e coberturas que excluem determinadas doenças não resolveram nem resolverão o problema. A proliferação de clínicas comercializando coberturas ambulatoriais lembra o aparecimento do transporte alternativo – “uberização da medicina”. Podem, num primeiro momento, ser uma “saída”, mas não oferecem plano de contingência em casos graves. Como consequência aumentou a migração desses pacientes da saúde suplementar para o subfinanciado SUS – Sistema Único, mas não unificado, de Saúde.

Nos planos de saúde verticalizados o médico é obrigado a atender seguindo protocolos rígidos, com base em evidências, mas que garantam a margem financeira do negócio. Solicitar exames ou procedimentos é burocratizado ao extremo. Tudo legal, só que confunde hipocrático com hipocrisia. Esses planos se tornaram um sucesso, mas na bolsa de valores!

Um problema com diversas causas não pode ter um tratamento único. Precisamos de um Sistema Unificado de Saúde com o poder moderador e permanente do Estado e não de um governo, que muda de tempos em tempos, para sairmos dos labirintos verticais.

Artigo publicado no Jornal O Globo, no dia 28/02.