Artigo: Uma breve história do eletrocardiograma

Aparelho mostra como conhecimento científico leva tempo e exige debate

A ciência não tem fronteiras, e seus pioneiros, pessoas irrequietas e curiosas, muitas vezes produzem grandes avanços ao juntar ideias e conceitos de diversos campos do conhecimento, o que os torna especialistas em generalidades.

Os responsáveis pela criação do aparelho de eletrocardiograma, instrumento que revolucionou o entendimento do funcionamento do coração, são exemplos disso.

Em 1791, o médico e físico italiano Luigi Galvani publicou um trabalho relatando como conseguiu movimentar, com estímulo elétrico, o músculo da perna de um sapo morto. Em 1820, o dinamarquês Hans Öersted notou que podia medir as pequenas mudanças da corrente elétrica através do movimento de uma agulha, batizando o aparelho de galvanômetro, em homenagem a Galvani. Em 1842, Carlo Matteucci demonstrou que o nervo da perna de sapo, quando estimulado, poderia contrair o músculo abaixo dele. O físico francês Jonas Lippmann recebeu o prêmio Nobel de Física pela criação de um método para fazer fotografias coloridas sem utilizar pigmentos ou tinta. Em 1872, ele também criou um método revolucionário que, através de um tubo de vidro fino preenchido por mercúrio e banhado com ácido sulfúrico – eletrômetro capilar –, podia medir a corrente elétrica pelo movimento da coluna de mercúrio; esse movimento era projetado num papel fotossensível, permitindo uma documentação permanente.

Em 1887, Augustus Waller, um fisiologista britânico, criou o primeiro aparelho de eletrocardiograma usando um eletrômetro capilar e eletrodos colocados no peito de um voluntário, demonstrando que uma atividade elétrica precedia a contração do coração. O brilhante médico e fisiologista holandês Willem Einthoven pesquisou por anos um método não invasivo para estudar o funcionamento do coração. Em 1901, obteve o eletrocardiograma conectando fios no pé e nas mãos do voluntário dentro de um balde com uma solução de eletrólitos, ligando essas três derivações a uma enorme máquina, que pesava quase 300 quilos, ocupava dois aposentos e necessitava de cinco pessoas para operá-la. Seu esforço era para entender “… o funcionamento do coração em detalhes e a causa de uma grande variedade de anormalidades, que permitirá aliviar o sofrimento de nossos pacientes”. Em 1924, recebeu o prêmio Nobel de Medicina (40 mil dólares), que dividiu com as duas irmãs de seu falecido assistente (Van der Woerd), que viviam na pobreza.

O conhecimento científico consolidado leva tempo, na velocidade possível e após intenso debate, nem sempre longe dos holofotes, da vaidade individual ou pautado por grupos econômicos. Um exemplo ocorreu com a invenção do eletrocardiograma, na qual somente após a Primeira Guerra Mundial a indústria acreditou, passando então a fabricar aparelhos mais eficientes e menores.
A ciência anda em passos largos, com novidades diárias. Mesmo assim, o médico jamais pode prescindir de conversar com o paciente e examiná-lo; também o simples eletrocardiograma mantém o seu valor. Não é saudosismo, mas realidade. Acredite.

TCBC Alfredo Guarisch

Artigo publicado no jornal O Globo no dia 17/07/2018.