As gêmeas siamesas brasileiras.

A medicina é fascinante. Um livro sem fim, repleto de histórias de heroísmo, coragem, vitórias, derrotas, tristezas, mas, a cada página virada, nunca esquecida, buscamos um final feliz.

Vivo a medicina e, a cada dia, descubro algo perdido, num livro empoeirado ou numa conversa na antessala do centro cirúrgico. Assim conheci um pedaço da curta e fascinante vida de Eduardo Chapot-Prévost (1864-1907), bisavô do meu amigo José Humberto Correa.

Na antiga Casa de Saúde São Sebastião, um dos mais importantes hospitais do Rio de Janeiro do século passado, o pórtico de cada sala de cirurgia levava o nome de um médico, e lá estava o desse fluminense, nascido na pequena cidade de Cantagalo. 

Chapot-Prévost iniciou seus estudos de medicina no Rio de Janeiro, mas se formou na Bahia, em 1885. Voltou para trabalhar no Rio de Janeiro e cinco anos depois era professor de anatomia e de histologia da Faculdade Nacional de Medicina.

Era um cirurgião destemido e realizou a primeira separação de gêmeos siameses com sucesso no mundo. Essa malformação congênita, na qual as crianças nascem parcialmente unidas por alguma parte do corpo, é extremamente rara, com uma incidência variando de 1 para cada 50 mil a 200 mil gestações, sendo que dois terços desses bebês não sobrevivem mais que um dia.

As irmãs Maria e Rosalina nasceram ligadas por parte do tórax e do abdome. Quando tinham 5 anos de idade, seus pais saíram de Cachoeiro de Itapemirim, no Espírito Santo, e vieram buscar ajuda no Rio de Janeiro. A primeira tentativa da separação cirúrgica fracassou, pois elas não estavam ligadas apenas por músculos ou cartilagens, como inicialmente se pensara. 

Chapot-Prévost foi então consultado e, após minuciosa pesquisa, sem os recursos de imagem de que atualmente dispomos, aplicando remédios para uma das irmãs a fim de verificar se a outra sentia seus efeitos, chegou à conclusão de que o órgão que ligava as duas era o fígado. A partir daí esculpiu em gesso, no tamanho natural, o modelo das duas crianças e treinou insistentemente como separá-las. 

Nessa ocasião, com os limitados processos de assepsia, fez o mais rígido procedimento asséptico possível, que incluía até banhos de lisol do cirurgião e seus auxiliares. Usou pela primeira vez uma máscara cirúrgica de gaze, uma novidade para a época. Com uma equipe de 13 médicos, em 30 de maio de 1900, conseguiu realizar a proeza inédita.
Maria faleceu cinco dias após a cirurgia, devido a um quadro infeccioso, numa época na qual não havia antibióticos. Após a publicação do seu trabalho “Chirurgie des Thoracopages”, em Paris, no ano de 1901, o mundo conheceu esse feito da medicina brasileira.

Rosalina passou a morar com seu médico e sua esposa, sendo tratada como filha. Casou, teve seis filhos e viveu por mais de 80 anos.

Médicos não podem se acomodar, e todo dia é uma oportunidade para escrever mais uma página da medicina. 
No Hospital Municipal Souza Aguiar, onde cada equipe de plantão tem o nome de um patrono, lá está a Equipe Chapot-Prévost, unida e salvando vidas, mesmo diante do descaso crônico da coisa pública. 

Como é bom ter heróis em quem se inspirar

TCBC Alfredo Guarischi 

Artigo publicado no jornal O Globo Online do dia 9/04/2019.