Fuzis são armas de guerra

“A difícil tarefa de um médico que precisa tratar vítimas de fuzis”.

A realidade dos cirurgiões nas emergências do Rio de Janeiro é comparável a dos que trabalham no Iraque, Síria ou Afeganistão.

Há meio século discutíamos como melhorar o atendimento às vítimas de tiros disparados por revólveres ou pistolas calibre 32 ou 38. Eventualmente operávamos vítimas do calibre 45.

Esses projetis de arma de fogo (PAF), com pequeno cartucho de pólvora e espoleta, ao serem acionados, fazem a bala caminhar pelo curto cano da arma a uma baixa velocidade, que varia de 340 a 680 metros por segundo. Ao atingir a vítima, como a energia cinética é inversamente proporcional à massa do projétil e ao quadrado de sua velocidade, em geral não leva a destruição maciça de órgãos e tecidos.

 

Atualmente enfrentamos a realidade das vítimas de fuzis de assalto, que é o nome técnico desse armamento de guerra, mas que no Rio é usado literalmente, meu caro leitor. Uma tragédia.

O fuzil americano AR-15 e o russo AK-47 têm cartuchos mais longos e mais pólvora; ao serem acionados produzem alta temperatura e uma pressão de mais de 7 toneladas por metro quadrado, que expande os gases no longo cano dessa arma de guerra, acelerando o projetil, que chega a atingir uma velocidade de mais de 4 vezes a do som. Essa mortífera combinação faz com que, por exemplo, uma pequena bala de calibre 22 (5,66 milímetros), disparada de um fuzil, libere 10 vezes mais energia comparado quando disparada de um revólver. Esses fuzis utilizam projetis de apenas 4 a 8 gramas, com poucos centímetros, podendo atingir vítimas a mais de meio quilômetro de distância e com grande precisão.

A intensa energia cinética transferida do projetil ao atingir a vítima causa dano direto por laceração dos tecidos e fragmentação do projetil dentro do corpo, além de gerar ondas que produzem cavidades nos tecidos atingidos. Uma bomba. O dano aos órgãos leva a necrose extensa muito além do visível, obrigando que o tratamento exija grandes e mutilantes cirurgias. Quando atingem ossos, produzem fraturas com múltiplos fragmentos. Órgãos densos como rins, coração e cérebro podem literalmente explodir quando atingidos.

Os orifícios de saída produzidos por balas que não se deformam são comparativamente pequenos. Ao contrário, os de alta energia produzem grandes cavidades temporárias no interior do corpo, resultando em um orifício de saída característico e muito maior do que o de entrada.

Por tudo isso uma pessoa atingida por um disparo de um fuzil tem três vezes mais chance de morrer comparada com uma vítima de revolver, pistola ou fragmento de granada.

Médicos buscam fazer o seu trabalho, como guerreiros. Resta a esperança de que a guerra termine, pois fuzis são armas mortais e privativas de policiais e militares treinados para defender a sociedade.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado no site da edição on-line do Jornal O Globo do dia 15/01/2019.