Manifestação da defesa profissional do Colégio Brasileiro de Cirurgiões sobre a contratação médica sob regimes de terceirização e quarteirização

O Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), por meio de sua Diretoria de Defesa Profissional, manifesta profunda preocupação com os modelos de contratação atualmente praticados no âmbito da assistência médica no Brasil, especialmente no que se refere à contratação de cirurgiões e demais profissionais médicos sob regimes de terceirização, quarteirização e, com maior frequência, por meio de constituição de Pessoa Jurídica (PJ). A preocupação se intensifica diante do atual cenário de judicialização trabalhista, das decisões conflitantes nos tribunais e da iminente manifestação do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria.
 
O modelo de prestação de serviços médicos via PJ tem sido amplamente utilizado em instituições públicas, filantrópicas e privadas como alternativa ao vínculo celetista tradicional. Embora lícito em tese, este modelo tem sido frequentemente utilizado para dissimular relações jurídicas que, de fato, configuram vínculo de emprego, caracterizadas pelos requisitos do artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT): subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade. A jurisprudência pátria, especialmente no âmbito da Justiça do Trabalho, vem reiteradamente reconhecendo o vínculo de emprego em situações em que a autonomia do profissional é apenas formal, sendo, na prática, inexiste.
 
Em recente decisão, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a existência de vínculo empregatício entre um médico e um hospital, afastando a tese de terceirização lícita, com base nos fatos e na dinâmica funcional observada (STF – ARE 1264833, Tema 725 da Repercussão Geral). Tal decisão reforça o entendimento de que a forma do contrato não pode se sobrepor à realidade da prestação dos serviços — princípio consagrado pelo artigo 9º da CLT.
 
A prática da quarteirização dos serviços médicos, que consiste na contratação de empresas terceiras que, por sua vez, subcontratam os profissionais para atuação na linha de frente da assistência hospitalar, revela-se ainda mais preocupante. Esta modalidade tem sido considerada, por diversos doutrinadores e julgados, como potencialmente lesiva à autonomia técnica do médico, à segurança do paciente e à continuidade assistencial, além de favorecer a precarização das relações de trabalho e a perda de vínculo direto entre o profissional e a instituição onde atua.
 
Além disso, observa-se com apreensão o impacto estrutural negativo desses modelos de contratação sobre a cultura institucional e a prática assistencial. A fragmentação dos vínculos de trabalho tem contribuído para o esvaziamento do espírito de equipe, a desorganização dos serviços e a dissolução de estruturas hierárquicas funcionais, fundamentais à boa prática da medicina hospitalar. Essa ausência de hierarquia e continuidade assistencial compromete a indispensável transmissão intergeracional do saber médico, reduzindo as oportunidades de aprendizado prático e supervisão entre médicos experientes e jovens profissionais, elementos centrais na formação ética e técnica da cirurgia e das especialidades médicas.
 
A Nota Técnica nº 01/2023 do Ministério Público do Trabalho, bem como os pareceres recentes da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (ANAMATRA), alertam para os riscos jurídicos, éticos e sociais da pejotização em massa no setor da saúde. A desconexão entre o modelo jurídico adotado e a efetiva forma de atuação do médico é a principal causa de litígios trabalhistas e de insegurança jurídica generalizada.
 
Diante da relevância do Tema 725 em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal — que trata da licitude da contratação de trabalhadores como Pessoa Jurídica —, o CBC reitera que não existe uma forma ideal única de contratação do médico. A escolha do regime contratual deve ser feita caso a caso, considerando a natureza da atividade, a autonomia técnica, a periodicidade da atuação, o local de prestação dos serviços e os riscos jurídicos e previdenciários envolvidos.
 
A grande preocupação da Defesa Profissional do CBC reside no desconhecimento técnico e jurídico dos médicos ao assinarem seus contratos de prestação de serviço. Muitos profissionais, especialmente os recém-formados, não compreendem as consequências legais, tributárias e previdenciárias da contratação por PJ ou por intermédio de empresas terceiras. Este desconhecimento pode acarretar graves prejuízos no futuro, como o não recolhimento adequado de contribuições previdenciárias, a ausência de proteção legal trabalhista e a impossibilidade de pleitear direitos básicos como férias, 13º salário e verbas rescisórias.
 
Assim, recomendamos enfaticamente que todo médico busque assessoria jurídica especializada antes de formalizar qualquer contrato de prestação de serviços, de modo a compreender:
 
•os deveres e obrigações estabelecidos;
•o grau de autonomia efetivamente garantido;
•a existência (ou não) de subordinação técnica e administrativa;
•os riscos de eventual reconhecimento de vínculo empregatício com efeitos retroativos.
 
O Colégio Brasileiro de Cirurgiões continuará acompanhando atentamente o julgamento em curso no Supremo Tribunal Federal, bem como todas as manifestações legislativas, administrativas e jurisprudenciais sobre o tema. Permanecemos à disposição para colaborar tecnicamente com o Poder Judiciário, o Ministério da Saúde, os Conselhos de Medicina e as entidades representativas da classe médica, a fim de proteger a dignidade profissional do cirurgião brasileiro e garantir um ambiente contratual justo, transparente e seguro.
 
Diretoria de Defesa Profissional
Colégio Brasileiro de Cirurgiões
Abril de 2025