Médico de confiança

Hospitais e profissionais consideram que têm obrigações, devendo utilizar de prudência e todo cuidado para que o resultado esperado seja alcançado.

Tarde da noite o telefone tocou. Era uma amiga solicitando conselho médico, como muitos me fazem. Ela sabia que não sou um “especialista na doença de seu pai”, mas, como ela disse, sou uma pessoa na qual tem “confiança especial”. Eu sabia que seu pai estava bem cuidado, mas era portador de uma doença crônica.

Foram algumas perguntas para as quais não tinha a resposta, pois me faltava conhecimento. Uma coisa eu tinha certeza, da necessidade de seu pai ser internado de urgência, conforme indicado por um de seus médicos.

A equipe envolvida no seu tratamento era excelente. Não havia motivo técnico para sugerir mudanças, porém estava claro que faltava algo. Havia a necessidade de restituir a confiança, pois, por algum motivo, ela estava escasseando. Ter vários médicos contribuía para aumentar as dúvidas. Era difícil medir. Ouvi muito e falei pouco. Repetir “Confie, amiga” foi terapêutico. Seu pai foi internado.

Por que se perde a confiança?

Na medicina, de um modo geral, hospitais e profissionais consideram que têm obrigações de meio, devendo utilizar de prudência e todo cuidado para que o resultado esperado seja alcançado. Mas na perspectiva dos pacientes é esperado que a medicina tenha obrigação de dar um resultado claro e previamente definido.

Todos têm razão.

A incerteza e os riscos precisam ser compartilhados, tarefa que exige da equipe de saúde conhecimento técnico e experiência. Para evitar litígios, a cada dia, os “contratos” e “instrumentos legais” são mais detalhados, mas continuam insuficientes para garantir uma relação harmônica entre pessoas. As diversas empresas envolvidas no sistema de saúde e fontes de financiamento – público e privado – participam ativamente nesse processo, mas de forma impessoal e focada em planilhas.

Por outro lado, os pacientes e familiares buscam por alguém com tempo para conversar. O sofrimento diante do desconhecido é muitas vezes maior do que a realidade. Enfermos não precisam entender de estatísticas ou protocolos randomizados. Buscam respostas simples (e não simplistas). Ao perder a confiança, até a esperança se evapora.

Tenho um amigo, Marco Zanini, que escreveu um excelente livro sobre a confiança, no qual afirma que “as relações de confiança são uma ativo intangível de inestimável valor e relacionado à cooperação espontânea”, o que se encaixa perfeitamente à medicina.

Vivemos a perda dos diversos níveis de confiança, desde a interpessoal, a sistêmica e a institucionalizada – ou seja, a estrutura social –, num mundo cada vez mais competitivo, no qual, para ganhar, alguém tem que perder. Um mundo da lei do mais forte e constante transferência da responsabilidade.

Os ganhos com melhores resultados com investimentos em novas tecnologias podem se perder pela falta de investimentos nos recursos humanos, em inteligência emocional. Nada muda ao se chamar empregados de colaboradores. É retórica. Investindo e cuidando dos cuidadores, todos ganham, inclusive em confiança.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado no jornal O Globo, edição online, do dia 02/07/2019.