Natal CBC 2020 – Uma homenagem aos médicos que enfrentaram os desafios de um ano diferente de tudo que poderíamos prever

Confira a história do cirurgião Valdir Zamboni, que venceu a doença após 126 dias internado, sendo 76 na UTI

2020, um ano improvável. Uma pandemia, milhares de vítimas pelo mundo e inúmeros desafios. Ninguém está imune e dentre os que mais correm perigo estão aqueles que vestem a capa do cuidado, do amor e da dedicação ao contribuir para salvar vidas. Em homenagem a cada profissional que dedica a sua vida para cuidar do próximo, o Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC) traz algumas histórias de médicos que foram infectados pelo novo coronavírus. A primeira história mostra que médico também é gente, sofre e sente dor, como comprova o relato do cirurgião Valdir Zamboni, que sobreviveu à COVID-19. A experiência de Zamboni reforça que, mesmo em meio ao caos, existem muitos motivos para ter esperança e celebrar.

Médico do Hospital das Clínicas e do Hospital Universitário da USP, o cirurgião enfrentou a forma mais grave da COVID-19. Apesar de ter sido designado para trabalhar no Incor para reduzir o risco de ser contaminado, Zamboni contraiu a doença. “Quando eu olhava o 11º andar, onde fica o covidário do Hospital das Clínicas, com os pacientes mais graves, eu jamais imaginaria que em pouquíssimo tempo eu estaria ali. Essas coisas a gente não imagina que possam acontecer, mas acontecem. Todas as medidas de precaução que eu tomei não evitaram que eu infelizmente tivesse uma forma grave da doença. Eu estava com 62 anos, hipertenso e tinha um pouco de sobrepeso. Comecei a ter uns sintomas inespecíficos, parecia uma virose, não tinha apetite e só tinha vontade de ficar deitado. O resultado do exame RT-PCR foi duvidoso, mas a tomografia do pulmão mostrou sinais de que se tratava da COVID-19”, relata.

Zamboni foi orientado a ficar em casa com medidas de suporte e aguardou a evolução da doença. Cinco dias depois, teve que voltar ao hospital por causa da falta de ar – 50% dos pulmões já estavam comprometidos e ele foi internado na UTI, com ventilação por máscara e cateter de oxigênio de alto fluxo. “Meu estado clínico piorou e recebi a notícia de que eu teria que ser intubado. Quando te dão essa notícia, é muito dramático, porque passa na cabeça da gente que tudo pode terminar ali, que tudo pode acabar ali na hora que fazem a sedação, pois te tiram a consciência para fazer a intubação. Minha consciência foi tirada e começou meu calvário na UTI”, afirma.

Intubado, o médico chegou a ficar com 92% dos pulmões comprometidos. Segundo ele, sobreviver era improvável. “Eu não vivenciei do ponto de vista consciente estas experiências porque eu estava sedado. Perdi muito peso e por um milagre acabei sobrevivendo a esta fase graças a dedicação da equipe de saúde e de todos os profissionais que cuidaram de mim. Quando eu retomei a consciência, não tinha noção de quanto tempo tinha se passado. Eu acordei e estava traqueostomizado, ligado a um ventilador mecânico, com um cuff insuflado na traqueia. É uma sensação que eu posso garantir que é horrível. Eu não conseguia abrir a mão pelo meu grau de perda de força muscular, perdi 26 quilos e mal conseguia me mover na cama. Mas graças a Deus não tive nenhum fenômeno tromboembólico cerebral nem cardíaco e do ponto de vista cognitivo eu estava bem. Isso foi uma dádiva”, relembra.

Após acordar, outras batalhas tiveram que ser vencidas. Zamboni não podia comer nem beber, apesar da enorme sensação de sede, e só foi liberado para isso após a realização de testes para certificar de que não havia riscos de aspirar comida ou líquidos. O agora paciente também teve que fazer várias sessões de fisioterapia para recuperar os movimentos e passar por outros procedimentos para dar continuidade ao seu tratamento. Sem poder receber visitas, o momento de retomar o contato com a família foi após a retirada da traqueostomia. “Me deu muita força poder ter contato com eles pela internet, essa hora era sagrada. Depois de decanular, eu fui para a enfermaria, fiquei mais 12 dias internado e iniciei um processo de reabilitação, pois eu não conseguia andar e tive que reaprender. Eu também tinha muita fome e estava tentando ganhar um pouco de peso”, destaca.

Para completar a reabilitação, o médico foi encaminhado para o Hospital Lucy Montoro, onde ficou internado com a esposa por 38 dias. Ali, ele reaprendeu a andar, ganhou peso e os tremores cessaram. “É uma estrutura de primeiro mundo, é um orgulho ter uma instituição 100% SUS, um braço do HC. O hospital me ajudou muito, sou eternamente grato. Eu tive alta no dia 03 de setembro e continuo o processo de reabilitação junto com meu filho, que tem me orientado na musculação e nos exercícios respiratórios”, observa.


O médico ressalta que a COVID-19 é uma doença avassaladora, que debilita a saúde e tem mortalidade. Por isso é preciso todo cuidado para evitá-la. Além das dores físicas e psicológicas, a saudade da família é outro grande desafio para quem enfrenta a enfermidade.  “Quero prestar uma homenagem a todos que me ajudaram a vencer essa doença traiçoeira e perigosa que é a COVID-19. Eu fico hoje olhando os noticiários, tudo o que é publicado na imprensa, tudo o que ainda está se falando sobre a COVID-19 e fico pensando: bom, eu estou aqui. Minha meta é poder voltar a trabalhar. Tudo o que eu quero é voltar a operar, voltar para o Hospital das Clínicas, minha casa, entrar pela porta da frente do 5º andar e falar: eu voltei, eu vim trabalhar pessoal. Eu me sinto acolhido por Deus e por todos os meus colegas. Estou bem melhor agora, estou forte, confiante e esperançoso. A exemplo de vários cirurgiões que também ficaram muito tempo internados e voltaram, eu sei que vou voltar. Deus está do meu lado”, conclui.