O atentado, a bordadeira, o aviador e o Prêmio Nobel: a vida de Alexis Carrell

Embora a França de 1984 estivesse passando por intensas turbulências políticas, o presidente Marie-François Sadi Carnot foi recebido na cidade de Lyon com toda a pompa e circunstância. Após um banquete na Câmara de Comércio, por volta das 21 hs do dia 24 de junho, Carnot entrou no banco de trás da viatura presidencial e seguiu acompanhado de uma pequena multidão pelas ruas da cidade até a prefeitura. A comitiva seguia lentamente para que o presidente pudesse cumprimentar a população.

Após alguns minutos, logo após dobrar uma esquina, um anarquista italiano, chamado Sante Geronimo Caserio, subiu no estribo e golpeou Carnot na altura do hipocôndrio direito com um punhal de pouco mais de 16 cm de comprimento. Caserio é imediatamente contido pela polícia e pela multidão de curiosos, e o presidente é levado diretamente para o hospital da Faculdade de Medicina de Lyon.

Carnot foi operado pelos cirurgiões Jean Lápine, Léopold Ollier e Michel Gandolphe, que constataram uma vultosa hemorragia intra-abdominal em “um grande vaso na região do fígado”. Apesar de um pronunciamento otimista da equipe cirúrgica por volta de 23h30, Sadi Carnot foi declarado morto às 00h45. A autópsia constatou uma lesão da veia porta.

O caso comoveu toda a França, em particular um jovem médico que estava presente no hospital de Lyon no dia do atentado. Seu nome era Alexis Carrel. Ele ficou horrorizado com o fato de não conseguirem salvar o presidente, dado o tempo entre a facada e o óbito. Posteriormente, em sua autobiografia, Carrel disse que “[…] ainda podia ouvir o fluxo de sangue, gota a gota, 50 anos depois”.

Carrel era um jovem incomum. Embora introspectivo, na maior parte do tempo, era extremamente focado e autocentrado. O tratamento de lesões vasculares era a ligadura do vaso acometido. Em membros, significava a amputação, mas em grandes vasos viscerais, era consenso entre os cirurgiões da época de que não havia nada a ser feito. Alexis Carrel estava obstinado a mostrar que eles estavam errados.

Inicialmente, Carrel se concentrou em melhorar a habilidade em suturas delicadas. Para tal, ele passou a ter aulas de costura com a melhor bordadeira local, a Sra. Leroudier. Ele se tornou um aluno dedicado, mesmo sendo alvo da zombaria de seus pares. Desenvolveu agulhas e fios cada vez menores, bem como a habilidade de suturar em menor escala. Diziam que era capaz de dar até 500 pontos minúsculos em uma só folha de papel de cigarro.

Em seu laboratório, utilizando modelos animais, Carrel desenvolveu uma técnica de interromper o fluxo sanguíneo, controlando tanto proximal quanto distal com fitas de tecido, da mesma forma como se faz hoje em dia. Desenvolveu também uma técnica de reverter as bordas dos vasos (como as costureiras costumam fazer em bainhas de calças) para não as rasgar com a tensão da sutura. E, finalmente, sua obra prima: o método de triangulação da sutura.

Nesse método, juntava-se os extremos dos vasos com três pontos reparados e equidistantes, dando um formato triangular aos bordos. Com isso, seria possível suturar cada lado do triângulo de forma perpendicular, mais fácil do que seria suturar de forma circular. Em 1905, mudou-se para Chicago, onde passou a trabalhar com o Dr. Charles C. Guthrie. Juntos aperfeiçoaram mais ainda as técnicas de sutura vascular, realizando diversos transplantes de órgãos em animais. Por tal contribuição, Carrel foi agraciado com o Prêmio Nobel de Medicina em 1912. Foi também pioneiro em desenvolver um aparato de preservação de órgãos, em colaboração com ninguém menos que o aviador Charles Lindemberg em 1932. Consistia em uma bomba de oxigênio rudimentar, mas que conseguiu preservar uma glândula tireoide por 18 dias.

Mas nem tudo na biografia de Alexis Carrel foi glorioso. Durante sua vida, Carrel se envolveu em diversas polêmicas, como a sua colaboração com o nazismo durante o governo de Vichy e maus tratos de animais em seus experimentos. Mas a história de Carrel nos mostra o espírito intrépido do cirurgião da virada do século XX. Mostra também que a partir de uma experiência traumática podemos nos conformar com tais tragédias ou buscar a superação dos nossos desafios quebrando paradigmas.

 

Fontes: Hollingham, Richard. Sangue e Entranhas: a assustadora história da cirurgia. São Paulo: Geração Editorial, 2011.

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