O atropelamento de Pierre Currier

As consequências de uma tragédia pessoal podem surpreender.

Em 19 de abril de 1906, Pierre Curie (nascido em 1859) esteve num almoço com colegas e iria a outro encontro.

Apressado e se protegendo da forte chuva com um guarda-chuva, ao chegar a um cruzamento com a Rua Dauphine, em Paris, tentou atravessá-la, e seu ímpeto, infelizmente, o levou a ser atingido por um dos cavalos de uma carroça transportando equipamento militar. Acabou caindo sob uma das rodas do veículo, morrendo instantaneamente.

Sua morte foi a primeira página do dia seguinte do jornal francês Le Matin e destaque também no americano The New York Times. Apenas o Le Matin publicou a foto da carroça e dos cavalos e um mapa desenhado à mão do local onde ocorreu o acidente, uma encruzilhada perigosa para os pedestres, apesar de haver dois policiais controlando constantemente o tráfego, pois os cocheiros muitas vezes achavam difícil controlar os cavalos.

Não havia dúvida de que Pierre Curie fôra descuidado. Um dos seus assistentes afirmou à polícia que Curie “não era suficientemente cuidadoso quando caminhava na rua ou andava de bicicleta. Ele estava sempre pensando em outras coisas”. Essa era uma opinião compartilhada pelo pai, que, quando informado da morte do filho, indagou sobre “o que ele deveria estar sonhando desta vez”.

Pierre Curie foi um dos fundadores da física moderna, pelas suas importantes descobertas relacionadas a ondas de calor, cristais e magnetismo, mesmo antes de se casar, em 1895, com Marie Sklodowska (1867-1934). O casal Curie ganhou o Prêmio Nobel de Física de 1903, dividindo a honraria com Antoine Becquerel, “em reconhecimento aos extraordinários serviços prestados por sua descoberta da radioatividade”.

Os Curie foram expostos a doses extensas de radiação enquanto conduzia suas pesquisas, tendo Marie morrido de aplasia de medula em 1934, assim como, da mesma forma, em 1956, faleceu sua filha Irène. 

A morte prematura de Pierre, uma tragédia para Marie, não a impediu de seguir em sua brilhante carreira, apesar das dificuldades enfrentadas sendo viúva, mãe de duas filhas de quatro e 11 anos de idade, ter nascido na Polônia e ser judia, numa época próxima às Guerras Mundiais. Recusou a oferta de pensão do governo francês e se tornou a primeira mulher professora de física da Universidade de Sorbonne, ocupando o lugar que fôra do marido. Mostrou ao mundo o que é ser independente e resiliente, vencendo preconceitos e tornando-se uma das maiores benfeitoras da humanidade. Suas descobertas permitiram o emprego eficaz da radioatividade no combate a diversos tipos de tumores, recebendo um segundo Prêmio Nobel, de Química, em 1911, “pela descoberta dos elementos rádio e polônio, pelo isolamento do rádio e o estudo da natureza deste notável elemento”. 

A cientista jamais abandonou sua origem, mantendo seu nome de solteira, ao qual aceitou incorporar o sobrenome do marido, chegando profissionalmente muito além do que muitos imaginavam.

TCBC Alfredo Guarisch

Artigo publicado no jornal O Globo online – editoria Sociedade, no dia 06/11/2018