O Bisturi e a Imprensa

“O papel da imprensa é noticiar o fato,

não transformar a notícia na realidade”.

 

Guardadas as devidas proporções, são angustiantes os momentos pelos quais passam um cirurgião ao decidir qual a técnica operatória mais adequada e um jornalista, diante da folha em branco, como contar uma história. O curto tempo de que ambos dispõem é um desafio. O bisturi e o dedilhar do teclado têm que estar afiados.

O prontuário hospitalar conterá o que foi possível fazer nas condições encontradas, a evolução do paciente e eventuais complicações. Devem constar as recomendações e limitações para seu retorno à vida plena. Trata-se de uma documentação obrigatória que visa preservar a verdade científica, usando termos técnicos e frases sem duplo sentido. Apenas o paciente e a Justiça, em casos específicos, podem ter acesso a ele.

O sigilo médico está no compromisso ético de preservar a privacidade do paciente, e o interesse dos médicos pela evolução clínica do enfermo deve ser apenas científico, em sua permanente busca em aprender. Os que fogem disso, especulando em mídias, em nada ajudam os médicos responsáveis por cuidar do paciente.

O médico e escritor Oliver Wendell Holmes (1809-1894) escrevia sobre a existência de uma literatura médica esquecida e de uma atual, dogmática; ponderava que a esquecida não significava arcaica e que muito da atual desapareceria. Médicos experientes podem utilizar técnicas distintas, baseadas no seu julgamento, na urgência e na gravidade da situação. Com suas luvas cirúrgicas envoltas pelo sangue do paciente, sua mente se inunda do suor da situação e das lágrimas dos insucessos sofridos. A partir desse encontro, a vida do paciente e a do médico estarão unidas para sempre.

No caso de uma figura pública, sua enfermidade vira manchete e sua intimidade médica “precisa” ser divulgada. Há uma excitação pelos detalhes ou por se descobrir a “verdadeira situação” ou se o “boletim médico está sendo manipulado”, pois o desfecho de sua doença será “decisivo” para muitos, para a alegria ou tristeza do pequeno povoado, do país ou do mundo. Sempre foi assim, mas, hoje, as mídias sociais enfrentam o jornalismo pasteurizado, retratam desejos e oscilam entre uma garantia contra a censura e uma forte ameaça à verdade.

O papel da imprensa é noticiar o fato, não transformar a notícia na realidade. A busca por fontes confiáveis pode esbarrar em membros da comunidade científica pouco cautelosos ou em busca de autopromoção.

Médicos, jornalistas e editores, nem sempre em sintonia, vivem o desafio da rapidez na publicação, o que pode resultar em tecnicismo, palavras com duplo sentido, frases embaralhadas ou fora do contexto científico. Não há tempo para o texto repousar, amadurecer. As revisões técnicas microscópicas são exceção. O último editor pode tanto colocar ou retirar a cereja do bolo.

A lisura dos boletins médicos, de igual maneira na Santa Casa de Juiz de Fora e no Hospital Israelita Albert Einstein, seguindo as normas do Código de Ética Médica, tem ajudado o verdadeiro jornalismo, separando o fato médico do político. A imprensa pode seguir, desta forma, segura no seu papel.