A evolução da Cirurgia

Sangrar e amputar eram os principais atos cirúrgicos aplicados por cirurgiões-barbeiros itinerantes, muito conhecidos na França e no restante da Europa durante os XII e XIII. Esses artífices estavam longe do ensino médico, das necessidades e eram independentes.
No século XVII ainda existiam em grande número e ocupavam a prática cirúrgica. Naquele século já eram conhecidos os cirurgiões ligados às escolas médicas. Nesta época foram alcançadas técnicas para atendimento das fissuras e luxações, fístulas e cuidados com as feridas.
No início do século XVIII encontramos no Brasil poucos relatos sobre o ensino da cirurgia e da própria técnica cirúrgica. A transferência do vice-reinado, em 1763, trouxe um programa que se refletiria também no ensino da cirurgia. Em 1790 é nomeado Cirurgião Mor da Misericórdia Antônio José Pinto, que ali ministrou o I Curso Regular de Operações, Clínicas e Técnicas Cirúrgicas.
Com a chegada da família real,l em 1808, iniciou-se um surto de progresso intelectual e material e o português Joaquim da Rocha Mazarm é reconhecido como o primeiro professor de cirurgia.Em 1832 é realizada uma reforma que transformou em faculdades, as escolas de medicina da Bahia e do Rio de Janeiro.
Na formação do corpo docente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro já se encontram características de setorização no ensino.Assim, assumiu em 1833 a cadeira de operações o professor Candido Borges Monteiro, enquanto Manoel Feliciano Pereira de Carvalho, a de Clínica Cirúrgica e Francisco Júlio Xavier a de parto.

Novos recursos técnicos

O século XIX caracterizou-se pelo desenvolvimento do conhecimento que auxiliaram o crescimento da cirurgia.Cabe citar o controle da hemorragia, principalmente com novos recursos técnicos, o conhecimento do controle de infecção, a assepsia e a anti-sepsia e o controle da anestesia, que ofereceu uma possibilidade imensa para o maior alcance das intervenções cirúrgicas.
No início do século XX existia o cirurgião que de forma abrangente, realizava os chamados procedimentos operatórios. O desenvolvimento científico e a necessidade do emprego de técnicas especiais proporcionaram o surgimento dos especialistas. Como é compreensível, os oftalmologistas e os otorrinolaringologistas foram os primeiros, mas a seguir se definiram os ortopedistas e urologistas.

A especialização cirúrgica

No final dos anos 50 já tínhamos outras especialidades com alcances precisos e definidos. Citamos a cirurgia torácica, a neurocirurgia e a cirurgia plástica. Nesta década ocorreu o advento da cirurgia cardíaca com circulação extracorpórea e depois com o coração parado.
A cirurgia atingiu outras características, além da área anatômica e alcançou aspectos com predominância da patologia, como a cirurgia oncológica e a endócrina e de faixas etárias como a cirurgia pediátrica. Estas notadamente alicerçadas em aspectos especiais dos pacientes onde atuavam.
Não tardaram a se formar profissionais que delimitavam outras, como a coloproctologia, a cirurgia de cabeça e pescoço, a desvinculação da cirurgia ginecológica da cirurgia geral e a cirurgia vascular. Hoje vemos serviços dedicados a setores ou até a um único órgão, como é o caso da cirurgia hepática e cardíaca. Esta até com a chamada cirurgia cardíaca pediátrica.
A superespecialização é, sem dúvida, um programa para grandes centros e que tenham visão de pesquisa e investimento.A cirurgia geral, certamente permaneceu como base da formação cirúrgica e esta continua como responsável pelas emergências traumáticas e não traumáticas, áreas que demandam a presença de profissionais capazes e bem treinados. A cirurgia do trauma é uma realidade crescente. É de responsabilidade da cirurgia geral a maioria das emergências hospitalares e conseqüentemente dos centros de tratamento intensivo.

A evolução tecnológica

Da segunda metade do século XX ao início do século XXI inúmeros progressos tecnológicos proporcionaram o emprego de novos avanços. Citamos a cirurgia dos transplantes de órgãos, a microcirurgia, o emprego de próteses e endopróteses, a cirurgia videoendoscópica e as técnicas de imagem congregando a radiologia invasiva.
Os transplantes de órgãos estabeleceram um gigantesco avanço técnico e salientou, sem dúvida, o trabalho de equipe. É justo citar os primeiros especialistas John Merrill e Joseph Murray, que realizaram o primeiro transplante renal com sucesso em 1954. E 1963, Thomas Starzl realizava o primeiro transplante de fígado, Christian Barnard realizou primeiro transplante cardíaco, em 1967, na África do Sul.
Todo este avanço em novas técnicas deve ser salientado, se deve ao crescimento das estruturas hospitalares e ao conjunto de cuidados alcançados pelas equipes da área da saúde. Nada seria conseguido sem a presença da qualidade do suporte científico do atendimento.
Para o início do século XXI, esperamos um crescimento nas áreas já citadas e principalmente um trabalho importante na cirurgia que utiliza as células-tronco, inclusive.
A cirurgia, portanto, estará como sempre esteve, aliada com o progresso científico. No entanto, este desenvolvimento quando de sua prática é regido pelos princípios da bioética, termo criado no ano de 1971 por Van Potter que é definido como o estudo da conduta humana no âmbito da biologia e da medicina.

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Orlando Marques Vieira
Ex-presidente do Colégio Brasileiro de Cirurgiões