O infarto, o repouso e o exercício físico

Trabalho multidisciplinar vem transformando infartados em atletas

O anatomista italiano Giovanni Morgagni descreveu em 1761 que as alterações encontradas em necropsia de pacientes com infarto agudo do miocárdio – IAM – levavam a “diminuição da força do coração quanto maior a parte muscular se tornava fibrosa”.

O ponto de partida para entender a doença coronariana ocorreu em 1768, quando William Heberden, com base na autópsia de um paciente com dor torácica intensa, afirmou que a mudança da vitalidade do músculo cardíaco era causada pela “circulação coronariana insuficiente, pela presença de um trombo na artéria coronária”. 

Somente em meados do século XX compreendeu-se a sequência das alterações de um quadro completo de IAM. Para isso, foi grande a contribuição de James Herrick (1861-1954), médico de Chicago, EUA, que cuidou de pacientes e fez experimentos de oclusão coronária em animais. Apesar disso, foi ignorado por grande parte da classe médica.

Herrick publicou seu primeiro livro, “Manual de Diagnóstico Médico”, quando tinha 34 anos de idade. Além de suas realizações em cardiologia, em 1910 fez a primeira descrição da anemia falciforme, doença hereditária que pode levar a grandes problemas vasculares.

Na reunião de 1912 da Associação Americana de Médicos estava entusiasmado, pois sabia que tinha uma contribuição substancial para apresentar com seu artigo intitulado “Características Clínicas da Obstrução Súbita das Artérias Coronárias”, mas considerou o evento um desastre. Seu trabalho passou despercebido.

A opinião prevalecente era que a obstrução coronariana geralmente resultava em morte súbita porque as artérias coronárias eram consideradas artérias terminais e sem conexões suficientes. Herrick discordava afirmando que “há razões para acreditar que mesmo grandes ramos das coronárias podem ser ocluídos sem resultar em morte imediata”. 

Em 1942, Herrick, um homem modesto, escreveu que a descrição do IAM reunindo os achados do eletrocardiograma – ECG –, sintomatologia e oclusões coronarianas experimentais mudou a forma de lidar com a doença: “Esses fatos haviam sido descritos antes, mas tiveram que ser redescobertos”. 

Sua visão a respeito do tratamento foi debatida por décadas: “A esperança para o miocárdio danificado está em assegurar um suprimento de sangue através de vasos vizinhos, de modo a restaurar sua integridade funcional.” Por esta razão defendia o repouso no leito por seis semanas.

O progresso no tratamento do IAM ocorreu com o uso disseminado do ECG nos anos 1940, a identificação de enzimas liberadas pelo miocárdio infartado em 1955 e o primeiro estudo radiológico das coronárias – cateterismo –, que ocorreu somente em 1958.

Por tudo isso a reabilitação cardíaca mudou. O repouso deitado foi substituído pela cadeira, e hoje o trabalho multidisciplinar vem transformando infartados em atletas.

Se estivesse vivo, talvez Herrick trouxesse impensáveis avanços aplicando a tecnologia e os medicamentos atualmente disponíveis.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado no dia 08/01/2019 na edição online  do jornal O Globo