O Rio abraça o transplante

O Rio de Janeiro  está entre os 10 maiores centros de transplantes hepático do mundo.

TCBC Alfredo Guarischi

Adoro ser médico no meu Rio de Janeiro. Apesar dos muitos problemas, temos uma gente dedicada a dar do seu melhor para a medicina. Estamos carecas de saber que nosso sistema de saúde foi quase destruído pela corrupção de jaleco e ternos de todas as cores e plumagens, e mesmo assim estamos voltando à vanguarda da boa medicina que sempre soubemos fazer. Parodiando a música de Chico Buarque, podemos cantar que “… você que inventou o pecado … eu pergunto a você, onde vai se esconder … apesar de você, amanhã há de ser, outro dia…”.

Nesse domingo das mães, o dia raiou e abriu as asas sobre nós, e na Cidade Maravilhosa foram realizados três transplantes hepáticos. A jornada hospitalar começou bem cedo, pela manhã, bem próximo da Floresta da Tijuca, a maior floresta urbana do mundo. À tarde a equipe subiu, pelo outro lado da mesma floresta, até o pé da estátua de Cristo, nosso Redentor, e fez o segundo transplante. À noite nada mais vibrante do que Copacabana, nossa princesinha do mar, para terminar essa fantástica jornada de devolver a vida à mais um paciente quase sem ela, colocando um órgão novo e enchendo de esperança mais uma família.

Todos esses transplantes têm múltiplos personagens e histórias, mas o em Copacabana teve emoção especial. Parte da equipe havia saído bem cedo do Rio para captar um órgão saudável doado graças ao gesto de amor de filhos e netos de sua amada mãezinha e vozinha de 84 anos.  Após 3 horas de voo, os dois jovens cirurgiões chegaram ao Sul deste imenso país e trouxeram, envolto em gelo, num reservatório especial, a última esperança de vida para um paciente. Não foi uma decisão médica simples, pois a doação de órgãos em pacientes idosos é rara, além de haver pouca experiência mundial nessa situação, mas, para quem estava morrendo de uma forma agressiva de hepatite e já havia sido transplantado há dez anos, aceitar o fígado idoso foi uma decisão inquestionável.

A noite foi uma criança e, ao fim de quatro horas de intenso trabalho de uma grande equipe, o idoso fígado já estava totalmente rosado, com seus vasos e canais ligados ao seu novo e jovial corpo, que poderá voltar a uma vida normal.

Com mais de 2.000 transplantes hepáticos por ano, o Brasil continua sendo o segundo país do mundo nessa técnica, só ficando atrás dos EUA. O Rio de Janeiro está no terceiro lugar no Brasil e entre os 10 maiores centros de transplantes hepático do mundo, com mais de 240 procedimentos em 2017. Esse programa vitorioso é quase todo financiado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), que o governo insiste em inviabilizar, cortando recursos financeiros e humanos, em total afronta à Constituição.

Mas a jornada vai continuar, e, agora, pela janela do centro cirúrgico, ao ver o sol nascer, tenho mais vontade de ficar por aqui.

Publicado no O Globo – Sociedade – em 15/05/2018