Por que Carlos Chagas nunca ganhou o Prêmio Nobel?

Alfred Nobel (1833-1896) foi um engenheiro, químico e empresário sueco. Um milionário, com mais de 350 patentes, incluindo a dinamite, um potente explosivo.

Nobel, ao ler seu obituário, publicado por engano, não gostou de saber que seria lembrado como um homem difícil e que grande parte de sua fortuna era decorrente de sua invenção, que facilitava a abertura de túneis, mas que também era utilizada em guerras, causando mortes e desgraças.

Quando seu último testamento foi divulgado, mesmo não tendo herdeiros imediatos, sua distante família se opôs, pois a maior parte de seus bens havia sido deixada para benfeitores da humanidade. Somente em 1901, após intensa discussão jurídica, sua vontade foi cumprida. Desde então anualmente pessoas ou instituições são laureadas pelo Prêmio Nobel.

Essa distinção é considerada a mais importante honraria mundial, motivo de orgulho pessoal e nacional. Além da medalha e da diplomação o laureado recebe o equivalente a um milhão de dólares.

O Nobel de Medicina de 1901 a 2018 foi entregue 109 vezes, para 216 pesquisadores. Não houve premiados em diversos anos, em decorrência de guerras ou porque o Comitê não considerou haver merecedores. Um equívoco em diversas ocasiões.

Uma dessas “barbeiragens” foi com nosso Carlos Chagas (1879-1934), médico sanitarista que descreveu uma nova doença, a tripanossomíase americana, mundialmente conhecida como doença de Chagas. Seu feito, único na medicina, identificou o agente responsável pela enfermidade (o protozoário Trypanosoma cruzi, cujo nome foi uma homenagem a Oswaldo Cruz), seu vetor (o inseto chamado barbeiro), os sintomas clínicos, a anatomia patológica, os testes para seu diagnóstico e como evitar essa doença.

Merecia o Prêmio Nobel.

O processo de escolha é complexo, e as informações sobre quem são os indicadores e indicados permanecem secretas por 50 anos. As muitas controvérsias dessa premiação só começaram a ser conhecidas a partir de 1974, com a divulgação parcial dos arquivos, nos quais vários historiadores não encontraram dados para entender por que Chagas foi rejeitado.

Carlos Chagas foi indicado em 1913, quando recebeu o voto do único brasileiro do comitê, o médico Pirajá da Silva. Novamente indicado em 1921, apesar de haver dois brasileiros no comitê, apenas Hilário de Gouveia votou em Chagas. Naquele ano não houve premiação para o Nobel de Medicina. Incrível!

Homem modesto e consciente do sigilo médico, jamais comentou o tema, para “não magoar colegas”, e “só admitia fazer ciência se essa fosse em defesa da vida”, conforme o belo texto de Pinto, Coura e Coutinho publicado no Portal da Doença de Chagas.

Chagas é um exemplo para os médicos brasileiros não se tornarem uma colônia manejada por interesses estrangeiros.

Pouco importa os mistérios dos bastidores, pois muitos outros cientistas foram também preteridos.
O pior, cá entre nós, é a falta de maior divulgação – uma novela – sobre Chagas e outros médicos brasileiros, cujas lutas e resiliência jamais devem ser esquecidas.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado no dia 16/07/2019 na edição on-line do jornal O Globo