Precisamos mudar o modo de encarar as emergências

Apesar dos avanços tecnológicos, apendicite aguda ainda é a causa mais frequente de cirurgia de emergência.

Apendicite aguda é a causa mais frequente de cirurgia de emergência. Apesar dos avanços com as novas técnicas de diagnóstico e tratamento, um em cada mil pacientes pode falecer, e um em cada 100 pacientes pode ter algum tipo de complicação. Em crianças muito pequenas, idosos e grávidas essa doença pode ser muito desafiadora.

Imaginem essa condição aguda na Antiguidade.

Berengario da Carpi, professor de cirurgia italiano, foi quem primeiro descreveu o apêndice, isso em 1522.
Essa pequena estrutura tem sua origem na parte direita do intestino e foi durante séculos confundida com o cécum (“vazio por dentro”). O grande anatomista Vesalius, em 1543, fez várias ilustrações, insistindo em chamar o apêndice vermiforme (“em forma de um verme”) de ceco por causa de sua verdadeira natureza cega da bolsa.

As necropsias identificavam que aquela pequena estrutura tubular poderia ser obstruída por fezes endurecidas (“pedras”) ou mesmo sementes e inflamar, levando a sua ruptura e peritonite. Numa época em que não havia anestesia, radiologia e antibióticos, indicar uma cirurgia era um enorme dilema, mas amputações e drenagens já eram feitas. Violar o abdome era um enorme desafio.

Mas, em junho de 1886, Reginald Fitz (1843-1913) apresentou seu trabalho “Perfuração do apêndice vermiforme; com especial atenção ao diagnóstico precoce e tratamento”, no congresso da Associação Médica Americana, na qual estavam presentes grandes nomes da medicina, entre eles Osler e Welch. Pela primeira vez o nome apendicite foi utilizado, e esse professor de patologia da Harvard, que estudou com Rodolf Virchow na Alemanha, mudou a história da avaliação da “dor e infamação do lado direito e baixo do abdome”, cujo tratamento padrão, nos casos que dietas e analgésicos não resolviam, era “abrir e drenar”, regra aplicada aos abscessos em geral, mas usado com parcimônia em coleções abdominais. Era o homem certo falando para a plateia certa.

Foi Thomas G. Morton, da Filadélfia, que realizou primeira a operação bem sucedida da remoção do apêndice, em junho de 1887.

No Brasil, a morte da esposa do Presidente Gaspar Dutra espertou muita tristeza. Carmela Dutra (1884-1947), entusiasmada católica e professora, nasceu na Ilha do Governador, Rio de Janeiro. Ela realizou um grande trabalho social, sendo seu nome dado a inúmeros colégios e hospitais.

Logo após seu aniversário, começou a passar mal. Foi submetida a diversos tratamentos sem sucesso, incluindo “gases medicinais”. Em 28 de setembro de 1947, após ter sido atendida por uma equipe da ambulância do Pronto-Socorro, chamada ao Palácio do Catete, residência oficial do Presidente, foi indicada sua internação.

No Hospital Central da Aeronáutica foi operada de urgência por uma equipe de renome da qual participaram o cirurgião Jorge Soares de Gouvea e o clínico Luiz Capriglione, mas seu quadro clínico já era muito grave. Dona Santinha, como era conhecida, veio a falecer 12 dias depois.

Frequentando as emergências desassistidas do Brasil esse ainda é um quadro possível de se constatar. Precisamos mudar o modo de encarar as emergências. Precisamos mudar o modo de encarar as emergências.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado na edição online do jornal O Globo do dia 5 de fevereiro de 2019.