Quando a medicina toca esperança

Médicos experientes sabem que o sofrimento e a desesperança podem aproximar a ciência da fé. Muitos são céticos, contudo, como escreveu Albert Einstein, “A teoria produz um bom resultado, mas dificilmente nos aproxima do segredo do Criador. Estou, em todos os casos, convencido de que Ele não joga dados”.

Recentemente, fui chamado para examinar um paciente com um infrequente tumor na perna chamado sarcoma. Eu já havia operado sua mulher de uma lesão semelhante, porém menos grave.  

C, o nome que escolhi para ajudar a contar esta história, estava numa situação grave e talvez fosse necessária uma cirurgia mutilante, mesmo fazendo quimioterapia e radioterapia para reduzir o tamanho do tumor. Eu sabia que ele era professor de jiu-jitsu e que poderia perder sua perna e sua profissão. Sofremos durante a conversa.

Saindo do seu quarto, acompanhado de sua mulher, que chamarei de D, nossos olhos, avermelhados, sussurravam: “Tenhamos fé!”. 

Ela, então, me fez uma única reclamação do hospital: ele não permitia levar o violão para seu marido. Fiquei então sabendo que C, além de atleta, era professor de música. Naquele momento, o velho violão seria o símbolo de seu futuro.

Pedi um tempo a D e fui pedir ajuda à enfermagem. Afinal, que mal faria alguém tocar suavemente um violão, se a televisão muitas das vezes incomoda tanto? A enfermeira atenciosa imediatamente conseguiu consentimento de sua supervisão. O problema foi aparentemente resolvido, mas, ao voltarmos, fomos impedidos pela segurança de entrarmos com o instrumento. Liguei para o diretor do hospital. Era sábado à tarde e a autorização foi imediata, com meu colega, sensibilizado, me desejando boa sorte na eventual cirurgia.

Fiquei parcialmente aliviado, pois a música é mágica e analgésica. Só que eu precisava de algo mais concreto para oferecer àquela família, como “certezas científicas”, mas eu não as tinha. Imaginei ser pouco dar esperança.

Já indo embora, encontro uma senhora que viera visitar uma outra paciente e que, de forma inesperada, me abraçou carinhosamente. Ao perceber meu lapso em reconhecê-la, veio em meu socorro: “Sou a mãe de D, médica, que você operou, lembra?”. D, esposa de C, que estava ao meu lado, parecia congelada ao ouvir o que eu e a mãe da outra D, sua homônima, conversávamos.

Há muitos anos eu havia operado aquela querida médica e surfista de um de sarcoma numa localização praticamente igual à de C. Além da cirurgia, ela foi submetida a radioterapia e quimioterapia, sem necessitar de amputação, e, após uma longa recuperação, voltou a surfar.

D voltou rapidamente ao encontro de C para lhe contar a história de mais uma vitória da ciência. Naquela noite, C e D dormiram aliviados e eu convencido de que a esperança nunca é “pouco”, pois Deus não joga dados.