“Quanto resta de vida, doutor?”

“Quanto resta de vida, doutor?”. Diante de uma grave situação de saúde, é frequente essa pergunta, que revela a busca do paciente, seus parentes e amigos por esperança. Outra pergunta é se há outras opções de tratamento ou algum lugar onde obter essa resposta. Em diversas situações, não há consenso.

Um médico experiente, mesmo diante de um paciente que se tornou amigo, não está isento de enfrentar mágoas e revolta em relação ao que ele fez ou deixou de fazer. Paciente e médico podem inicialmente não conseguir superar a dor, mesmo reconhecendo todo o desprendimento científico e afetivo; com o tempo, as incertezas e as verdades passageiras da medicina tendem a ficar mais claras. Na instável relação médico-paciente, é bom saber perdoar e ser perdoado.

O câncer é um enorme conjunto de doenças e todo dia — sim, todo dia — ganha um revolucionário método de diagnóstico ou de tratamento. A novidade rapidamente vira notícia, mas apenas o tempo trará a dimensão exata de sua aplicabilidade, seu uso rotineiro e, principalmente, seu real benefício.

É sofrido lidar com um paciente com uma doença incurável, mas cheio de esperança, assim como cuidar daquela pessoa sem esperança, mas que tem uma doença grave que ainda pode ser tratada com processos dolorosos e sujeitos a complicações.

O que fazer quando exames ou opiniões de especialistas se contradizem ou para as quais faltou contextualizar diferentes explanações? Diante da vulnerabilidade do enfermo, é melhor para o médico dizer a verdade ou decidir por ele, adotando uma postura paternalista? E o que é melhor para o paciente?

Muitas reuniões médicas e artigos científicos têm enfatizado a volta das questões humanitárias às salas de aula, para debater como lidar com o sofrimento do doente e ao mesmo tempo seguir os frios códigos jurídicos de consentimentos detalhados, duros e fatalistas.

Nesse contexto, uma segunda opinião médica pode esclarecer dúvidas e deve ser estimulada, mas ela também pode criar outras incertezas. O consenso não significa a verdade científica, contudo, para o paciente ou familiar, ele pode ajudar a compreender o melhor caminho para mitigar as encruzilhadas. Esse é um tema constantemente discutido em teses científicas sobre bioética.

Ao final, alguém tem que tomar a decisão, mas os modelos vigentes não atendem a todas as perspectivas bioéticas e morais de nossa multiplicidade social.

Cabe ao médico esclarecer os fatos objetivos e subjetivos e não contribuir para um clima de mais insegurança. Lidar com a atual realidade não é fácil para o médico e é ainda mais complexo para o paciente.

A medicina, diante da finitude da vida, deve seguir os preceitos científicos. Dar esperança é o único caminho que pode levar à eternidade. Não é uma tarefa simples.

TCBC Alfredo Guarischi

Publicado no O Globo – Sociedade – Saúde – 18-12-18