Seishu Hanaoka, o ‘avô da anestesia’

Em 1804, o médico japonês removeu um câncer de mama sem dor ou outros efeitos indesejados

William Morton é considerado o “pai da anestesia”. Esse dentista americano idealizou um inalador de éter para realizar extrações dentárias sem dor, sendo a novidade publicada no “Boston Daily Journal“, em setembro de 1846. Após a repercussão, ele foi convidado a utilizar seu aparelho no renomado Massachusetts General Hospital.

Em 16 de outubro de 1846 o famoso cirurgião John Waren removeu um pequeno tumor, no pescoço de um jovem, com a ajuda do éter administrado por Morton, na que foi considerada a primeira anestesia geral com sucesso. Mas foi essa realmente a primeira anestesia — um bom sono profundo e ausência de dor?

O Ocidente desconhecia o japonês Seishu Hanaoka (1760-1835), que realizava cirurgia e anestesia em Wakayama, sua cidade natal. Desejava salvar mulheres com câncer de mama e para isso aprendera como remover o tumor. Permanecia o desafio em prevenir a dor, e para isso pesquisava a associação mais eficaz de ervas da tradicional medicina chinesa, conhecidas há milhares de anos.

Tomio Ogata, professor da Universidade de Tóquio, na revista Anaesthesia, enfatizou como Shakespeare (1564-1616) já havia explorado o efeito analgésico das ervas na peça “Antônio e Cleópatra”, quando a rainha egípcia pede: “… me dê para beber mandrágora, para que eu possa dormir enquanto Antônio está ausente. ”

Hanaoka fez experimentos combinando diferentes plantas com efeito analgésico e hipnótico — Datura, Aconitum e Angelica –, mas tóxicas, dependendo da dosagem. Após testes em cachorros e gatos, pensou ter encontrado a fórmula correta. Precisava testar em humanos, e sua esposa foi voluntária. A mistura a deixou cega, levando Hanaoka a viver o restante de sua vida com a culpa pelo fato.

Após 20 anos de novas experimentações, conseguiu uma fórmula adequada de ervas que, fervida e ingerida ainda quente, deixava o paciente inconsciente e insensível à dor. A anestesia durava de 6 a 10 horas. Com isso, pôde remover, em 1804, um câncer no seio da senhora Kan Aiya, sem lhe causar dor ou outros efeitos indesejados.

Hanaoka fez mais de 150 cirurgias semelhantes e ensinou sua técnica a inúmeros discípulos, num Japão que na época mantinha contato apenas com a Holanda. Com a introdução do uso de éter e do clorofórmio, a técnica de Hanaoka deixou de ser usada. Mas ele será sempre lembrado pelo seu pioneirismo, representado pela flor da datura, o principal ingrediente de sua fórmula, no emblema da Sociedade Japonesa de Anestesia.

Merecia o reconhecimento internacional, com um respeitoso título de “avô da anestesia”.

alfredoguarischi@yahoo.com.br

 

“Inicialmente publicado em 10/04/2018, no caderno Sociedade do O Globo.