Sob Pressão, volte logo

Quando subi a primeira vez o Morro do Alemão, com 90 policiais militares, fiquei esgotado. Dr. Jun, médico do Bope, diante do meu quadro, chamou o comandante Rene. A pergunta foi direta: quer descer?

Eles me deram mais do que água: me deram uma razão para não pedir para sair. Não desisti e fui em frente naquela missão de reconhecimento do terreno em tempos de paz. Subindo escadarias e entrando em becos, parcialmente protegido por um pesado colete balístico, consegui chegar ao local onde assassinaram o jornalista Tim Lopes, lá na Pedra do Sapo. Pude ver, pela primeira vez, a Igreja da Penha de cima para baixo e sua porta dos fundos. Desde então venho aprendendo com o Comando de Operações Especiais a enxergar não só fora, mas além da caixa.

Dia 25 de julho foi o último capítulo da temporada de “Sob pressão”. O cirurgião Marcio Maranhão e a dramaturgia de Andrucha Waddington, Mini Kerti, Jorge Furtado, Lucas Paraizo e um elenco maravilhoso devem ter ficado esgotados após subirem os 34 episódios de uma guerra iniciada em 2017. Não pediram para sair ao encarnarem a insalubridade do SUS, transformando a dramaturgia e a medicina num único corpo.

Vivenciei quase tudo que Marcio, meu colega do Hospital de Força Aérea do Galeão e do Hospital Barra D’Or, transmitiu à legião de trabalhadores da classe artística. Ele revelou detalhes do que sentimos antes de entrarmos em cena, que nunca saem de nós. O grande público teve a oportunidade de refletir sobre o processo de amadurecimento do médico que trabalha no chão da fábrica, o médico-raiz. A realidade virou arte, que não foi enlatada ou recheada de merchandising.

A maioria de quem foi formado pelo SUS entende a importância desse sistema, moldado na universalidade e na equidade, porém sequestrado, dilapidado, e que nunca esteve tão ameaçado.

Foi uma oportunidade para todos subirem o “morro” e verem os becos da saúde, a corrupção, a atuação das milícias nos hospitais, a superlotação das emergências, a influência da indústria, os dramas no CTI, a discussão de gênero, a necessidade da humanização no cuidado, o cuidar de quem cuida e os conflitos éticos. Não ficou esquecido o problema das drogas, até entre profissionais de saúde, assim como o de doenças evitáveis como HIV, tuberculose e tantas outras. Ao final de cada episódio foi colocada uma cartela alertando sobre a necessidade de vacinação, os perigos da obesidade e os procedimentos estéticos inadequados, entre muitos outros problemas. Essas mensagens ajudaram, por exemplo, a aumentar a doação de sangue e de órgãos.

Mas teve gente que não gostou, porque “esqueceram de falar sobre…”. Claro que medicina não é apenas o trabalho dos médicos, mas essa série foi sobre médicos e, a todo capítulo, homenageava a importância do trabalho da equipe multiprofissional. Ninguém foi esquecido.

Aguardo ansioso as próximas temporadas. As iniciais contribuíram para debater o desequilíbrio entre os deveres da saúde pública e dos planos de saúde.

“Sob pressão” me motiva a continuar escrevendo.

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TCBC Alfredo Guarischi