Staplers – a máquina de costurar tecidos humanos

Criada há mais de 100 anos, tecnologia evoluiu
e permite maior segurança cirúrgica

TCBC Alfredo Guarischi

Cirurgiões são artesãos. Cortamos tecidos, removemos e substituímos órgãos, sempre buscando evitar sangramentos e infecções, para devolver a saúde ao paciente.

É apaixonante participar da evolução das técnicas cirúrgicas, em especial as realizadas por pequenas incisões, óticas poderosas, bisturis e pinças especiais que permitem remover tecidos doentes com menor trauma e menos infecção.

A anastomose, técnica de religar os órgãos seccionados, sempre foi um desafio, pelo risco de estreitarmos canais ou sua vedação ficar incompleta, ocasionando contaminação por bactérias. Superamos as dificuldades com técnicas, fios e agulhas especiais, mas em determinadas situações, como nas cirurgias de obesidade, do estomago e do intestino, é inaceitável não dispor das modernas e minúsculas máquinas de costura, os staplers, que permitem maior segurança cirúrgica.

Foram inúmeros os cirurgiões que contribuíram para esse desenvolvimento, sendo os húngaros Húmer Húltl (1868-1940) e Aladár von Petz (1888-1956) seus grandes inovadores. Húltl inventou, em 1908, um pesado aparelho, de quase quatro quilos, que exigia um complicado modo de colocar os finos grampos de aço utilizados para juntar os tecidos.

Em 1921, von Petz demonstrou, no Congresso Húngaro de Cirurgia, um modelo menor, mais leve e prático, encantando o respeitado Húltl, que, diante do novo aparelho, decidiu encerrar a fabricação do seu. Von Petz acabou originando o verbo alemão “petzen”, que, em tradução livre, virou sinônimo de sutura mecânica.

Mas as Guerras Mundiais dividiam o mundo. Apenas os alemães e os russos se interessaram por esses aparelhos que permitiam que a maioria dos cirurgiões realizassem anastomoses de forma semelhante e segura. Somente em 1958 o Ocidente teve acesso a essa tecnologia, depois de Mark Ravitch (1910-1989) conhecer o Instituto de Pesquisa de Instrumentos Cirúrgicos Experimentais de Moscou e ficar fascinado com o trabalho de seus engenheiros, médicos e técnicos. Antes de retornar aos EUA, driblou a burocracia russa comprando numa loja de instrumentos cirúrgicos um desses aparelhos, o qual posteriormente conseguiu aperfeiçoar.

Atualmente, dispomos de staplers descartáveis e delicados, mas muitos pacientes continuam à mercê da falta de uma política de saúde transparente. A utilização de geringonças oriundas de fábricas chinesas desconhecidas, com menor preço mas sem comprovação de qualidade em estudos científicos, coloca em risco a vida desses brasileiros.

Nenhum médico deve usar um aparelho cuja qualidade não seja reconhecida cientificamente. Von Petz, que foi perseguido pelos nazistas e posteriormente por comunistas, durante a guerra fria, afirmava que “quem permanece quieto, consente”. A perseguição é outra, mas as sociedades médicas não estão quietas.

Artigo publicado em 19 de junho de 2018 na edição do jornal O Globo on line ( editorial de Sociedade)