Uma máscara cirúrgica

Alfredo Guarischi, ECBC

” Devemos usar máscaras, mas é fundamental não colocar as mãos na sua parte em contato com a face, para evitar contaminação”.

Para que serve uma máscara cirúrgica? Para proteger os profissionais de saúde do paciente ou proteger o paciente da equipe? Talvez proteger a sociedade do eventual paciente, quem sabe o inverso?

Ganhei minha primeira máscara de pano, de minha avó, em1972. Acadêmico de medicina, passei a usar minha própria máscara, feita de algodão, para me proteger do sangue que eventualmente respingava nas cirurgias. Tinha várias, todas brancas. Lavadas em casa, duravam meses.

Com o passar dos anos as máscaras descartáveis, verdes a azuis, de diversos fabricantes, surgiram. Muitas, quase transparentes, eram guardadas em gavetas repletas, acessíveis a todos, muitos que sequer lavavam as mãos antes de pegá-las. De tão finas, por serem baratas, rasgavam. Com o tempo todos se esqueceram de como tudo começou.

A criação das máscaras cirúrgicas é atribuída ao grande cirurgião polonês Jan Mikulicz, que, em 1896, estimulado pelo bacteriologista Carl Flügge, autor da teoria da disseminação das infecções por gotículas produzidas no nariz e na boca, começou a usar uma máscara rudimentar feita com gaze. Sua publicação sobre o assunto foi ignorada pela maioria dos outros cirurgiões.

A história começou a mudar com o trabalho de Alice Hamilton, infectologista de Chicago, em 1905. Ela confirmou a presença de germes em gotículas eliminadas pela fala, tosse ou espirro. Posteriormente, em 1918, outros pesquisadores demonstraram que ao falar, tossir ou espirrar podemos emitir de poucas até 300 vezes mais partículas.

Nos anos seguintes a discussão sobre o uso das máscaras foi relacionada a quantidade de camadas de gaze, seu tamanho e se a máscara deveria cobrir apenas a boca ou incluir o nariz. Depois seguiu-se o debate sobre o uso de pedaços de borracha, celulose ou filme de raios-X entre os folhetos da gaze ou flanela, em busca de um tecido mais rígido e da deflexão das partículas. Na década de 1940, com o advento dos antibióticos, houve um retrocesso para demonstrar que o uso de máscara não impactava a incidência de infecção cirúrgica. Num estudo do famoso Instituto Karolinska, da Suécia, publicado em 1991, mais de 3 mil pacientes, divididos em dois grupos, foram operados por equipes usando ou não máscaras cirúrgicas. Concluiu que o uso de máscaras faciais deveria ser reconsiderado, pois não diminuiu a incidência de infeção pós-operatória. Pasmem!

Surpreende a conclusão de que “as máscaras podem ser usadas para proteger a equipe cirúrgica de gotas de sangue e de infecções transmitidas por aerossóis, mas não têm impacto na taxa de infecção”. A maioria da comunidade científica concluiu que esses achados eram inadequados, pois a incidência da infecção decorre de diversos fatores. Um grave equívoco de uma pesquisa mal estruturada.

Isso ajuda a entender por que tantos debates na atual epidemia de gripe, inclusive se máscaras devem ser ou não usadas e por quem. Desde cedo sabia-se que não haveria – para todos – máscaras produzidas pela indústria.

Por outro lado, o uso de máscaras de diversos tipos pelos orientais para evitar disseminação de doenças ou como proteção à poluição atmosférica sempre foi um enorme tabu para os ocidentais, semelhante ao uso do véu ou da burca.

Mas a necessidade remove costumes e obstáculos. A ciência é fundamental, mas também comete equívocos. A posição da Organização Mundial da Saúde em relação às máscaras teve que mudar. A sociedade, longe da ciência, buscou soluções. Desde o emprego de garrafa pet aberta longitudinalmente para permitir o seu uso facial, até a confecção de uma máscara de pano dobrado algumas vezes e preso com um elástico de cabelo em cada orelha. Videos viralizaram nas redes sociais.

Devemos usar máscaras, mas é fundamental não colocar as mãos na sua parte em contato com a face, para evitar contaminação. A lavagem constante das mãos, já defendida pelo obstetra húngaro Ignaz Semmelweis, em 1847, e pela enfermeira inglesa Florence Nightingale, em 1856, na Guerra da Crimeia, continua sendo um desafio a ser superado.

Esta pandemia está ensinando a necessidade de os países reverem como cuidar de seu povo, da ciência e de suas indústrias.

Voltei ao meu feliz passado, sem constrangimento de usar, agora com minha família, máscaras de pano similares às feitas por minha avó. O presente que tenta eliminar o passado, repleto de experiências, sempre atrapalha o futuro.