Acordo Nacional

Saúde é um direito de todos, mas inalcançável para muitos. No Brasil a mensalidade dos planos triplicou nos últimos dez anos, e a chamada ‘inflação médica’ na verdade traduz o imenso custo da máquina burocrática.

Uma amiga me pediu a indicação de um médico que a atendesse pelo seu plano de saúde, pois encontrava dificuldade em marcar a consulta, obrigando-a a recorrer a serviços de emergência, onde, por diversas vezes, foi alertada da necessidade de ter o “seu médico”.

Seus antigos médicos haviam sido descredenciados pelos mais estapafúrdios motivos. Estava desiludida e cansada de “falar com máquinas ou pessoas robotizadas e sem rosto”. Ela precisava reencontrar um médico “de carne, osso e alma”.

Expliquei que os serviços de emergência diagnosticam e tratam condições agudas, com risco à vida. Alguns diagnósticos são pouco prováveis de serem feitos numa única consulta. O acompanhamento regular, personalizado, faz a diferença. O tratamento de suas crises de hipertensão arterial foi bem sucedido, mas o diagnóstico de um minúsculo tumor da glândula supra-renal — feocromocitoma —, que era responsável pelo seu quadro clínico, demandou tempo e exames especiais. Acabei voltando a ser “seu médico”, pois a retirada da glândula doente, por laparoscopia, foi decisiva.

Minha amiga faz parte de um terço da população brasileira que tem acesso a planos de saúde, cada dia mais caros e inflacionadas por sua extensa e custosa burocracia. Inúmeras diretorias para a mesma função disputam quem vai interferir mais sobre as decisões médicas.

Esse é um problema antigo e importado dos EUA, como cita uma reportagem do Washington Post. Nela um senador disse que “os americanos querem ter o poder de escolha e não que essas decisões fiquem sob controle de uma burocracia sem rosto e sem paixão”. Lá, como aqui, há um exército de funcionários, presos a telas de computador e fones, cujo trabalho é questionar os pedidos de exames e os tratamentos solicitados.

Nas organizações de assistência verticalizadas, em expansão no Brasil, os pacientes só têm acesso a médicos, laboratórios e hospitais da própria organização, reduzindo indiretamente a possibilidade de uma segunda opinião. Esse parece ser um modelo de negócio lucrativo para os acionistas. Os protocolos de atendimento — excelentes guias gerais — viraram mecanismos de controle de custo e “barreiras de defesa” contra a judicialização, interferindo na relação médico-paciente. No Brasil a mensalidade dos planos triplicou nos últimos dez anos, havendo a invenção do termo “inflação médica”, que na verdade traduz o imenso custo da máquina burocrática e desvios, tanto no setor privada como no pública. Profissionais da saúde ficam afastados dos seus pacientes, pois são obrigados a gastar cerca de metade de seu tempo preenchendo vulneráveis prontuários eletrônicos.

Saúde é um direito de todos, mas inalcançável para muitos. O credenciamento universal e o médico da atenção primária — um médico generalista —, atuando de forma independente de quem paga, seria um fator moderador, sem comprometer a efetividade (valor) do atendimento. Este equilíbrio pode ser conseguido com um acordo racional entre fonte pagadora e prestadores de serviços.

TCBC Alfredo Guarischi – Artigo publicado no jornal O Globo – edição de 18/06