Artigo: O Natal de Luana e de Maria

Natal é a data em que comemoramos o nascimento de Jesus. A Natividade.

Tempo de estar presente e não de dar presentes, tempo de dar esperança e de aconselhar quem errou.

A gata Luana e a menina Maria, duas gracinhas, foram diagnosticadas há um ano como portadoras de leucemia linfocítica aguda, que é um câncer que ataca os linfócitos, células especiais de defesa do sangue.

O tratamento dessa leucemia é eficaz em mais de 80% dos casos. Associa quimioterapia e um produto biológico importado fundamental, chamado asparaginase, que, quando corretamente utilizado, permite uma vida longa e com menos risco de volta da doença.

Esse medicamento foi descoberto em 1953, quando pesquisadores constataram que um determinado tumor em ratos regredia após o tratamento com soro de porquinhos-da-índia. Mais tarde, a asparaginase passou a ser produzida a partir de bactérias cultivadas em laboratórios e tendo a segurança necessária para ser utilizada em pessoas.

Luana, uma bela gata doméstica, está bem, pois sua “família de coração” se mobilizou para que ela se tratasse com uma asparaginase de fabricação excelente e utilizada nos melhores centros oncológicos da Europa.

Maria, uma menina pobre, foi muito bem atendida no posto de saúde e em pouco tempo passou a ser cuidada num hospital oncológico infantil, tudo pelo SUS. O tratamento seria longo, por até três anos.

Lamentavelmente, Maria, diferentemente de Luana, foi vítima do Ministério da Saúde (MS), que desprezou o parecer técnico de especialistas e passou a importar asparaginase fabricada na China, mais barata, uma medida com amparo legal, só que moralmente ilegítima, pois essa asparaginase não tem um certificado internacional que garanta sua qualidade e segurança.

O Ministério Público Federal aceitou as interpelações da comunidade científica e determinou o uso da droga certificada para todos os pacientes tratados pelo SUS. Maria agora está melhor e vai sobreviver.

Contudo o agônico MS não desiste e em uma recente portaria liberou a emissão de certificações de medicamentos pela própria companhia que os comercializa. Assim deixou de exigir o parecer de centros especializados, como a Anvisa, um órgão eminentemente técnico. Para piorar, outros produtos usados no tratamento de câncer estão sendo importados seguindo esses mesmos novos e perniciosos critérios.

Não temos uma política de saúde transparente. Cartéis internacionais vendem um mesmo produto por valores diferenciados, dependendo de quem o importa. Outro absurdo é que a Lei do Menor Preço permite que laboratórios de qualidade questionável vençam as concorrências com suas “mercadorias baratinhas”, valendo-se das brechas burocráticas. As consequências serão desastrosas para os dois terços das famílias, como a da Maria, que necessitam do SUS, e em breve os planos privados poderão se valer desses mesmos critérios.

Seria inesquecível para o brasileiro comemorar a Natividade com um sistema de saúde justo.

TCBC Alfredo Guarischi

Artigo publicado no jornal O Globo on line no dia 25/12/2018.