Na manhã de 18 de abril de 1955, Thomas Harvey, patologista do Hospital de Princeton, Nova Jersey, acordou bem cedo. Tomou seu café, abotoou sua camisa branca, apertou o nó de sua fina gravata e foi trabalhar. Fora comunicado durante a madrugada pelo colega médico Guy Dean sobre a necessidade de realizar a autópsia de um interno que acabara de falecer. Quando chegou ao necrotério, localizado no andar térreo do prédio, Harvey sentiu um misto de excitação e medo diante do cadáver nu que jazia na mesa de metal: era ninguém menos que o gênio da ciência Albert Einstein.
Fugindo da ascensão nazista na Alemanha, Einstein buscou asilo nos Estados Unidos. Embora já fosse uma celebridade em todo o mundo, Einstein não gostava de notoriedade e encontrou na pequena cidade universitária de Princeton o lugar perfeito para uma vida pacata e longe dos holofotes. Em 1948, foi levado às pressas para o Brooklin Jewish Hospital em Nova York com um quadro de fortes dores abdominais. Achando se tratar de uma colecistite aguda, o famoso cirurgião Rudolph Nissen o submeteu a uma laparotomia exploradora, por meio da qual encontrou um aneurisma de aorta abdominal do tamanho de uma laranja. Nissen realizou um procedimento paliativo de envelopamento do aneurisma. Após a cirurgia, ao ser comunicado de que o aneurisma ainda sim poderia vir a romper, Einstein respondeu: “Deixe explodir!” Na saída do hospital, ao ser cercado por uma multidão de jornalistas, demonstrou todo o seu desprezo pela mídia ao se deixar ser fotografado com a língua de fora, imagem que se tornou uma das mais vistas no mundo até os dias de hoje.
O aviso de Nissen não tinha sido em vão e Einstein voltou a sentir fortes dores abdominais em 12 de abril de 1955. Se recusando a ser submetido a uma nova cirurgia, faleceu seis dias depois. Vários amigos e parentes chegaram ao hospital logo pela manhã, dentre eles seu filho mais velho Hans Albert, sua fiel governanta Helen Dukas e o amigo Otto Nathan, executor de seu testamento. Nathan ficara responsável, também, por ser guardião do legado do físico.
Harvey realizou a autópsia de Einstein autorizada pelo seu filho Hans e, segundo seu relato, acompanhado de Nathan o tempo todo. Harvey retirou, pesou e recolocou os órgãos da personalidade em seus devidos lugares. Todos menos um: o cérebro. Hans Albert soube durante o velório que o cérebro de seu pai não estava no corpo que jazia ali na sua frente e ficou furioso. Harvey tentou explicar que pretendia estudá-lo em nome da ciência e em seguida conseguiu também o consentimento de Nathan. A condição era publicar os resultados da pesquisa apenas em revistas científicas.
Foi então que Harvey se viu em um dilema: ele não era neuropatologista. Apesar de dominar técnicas de conservação de órgãos, não tinha domínio sobre os recentes estudos que avaliavam que determinadas áreas do cérebro eram responsáveis por certas funções e comportamentos humanos. Harvey então enviou diversas partes do cérebro de Einsten para vários especialistas, desde em caixas de lâminas de microscopia até em pacotes de correio e vidros de maionese com formol. Entretanto, apesar da cobrança insistente de Nathan por resultados, ao longo dos anos pouquíssimas respostas foram obtidas. Apenas um estudo mostrou que o cérebro de Einstein possuía mais células da glia que cérebros normais. Este estudo publicado pela cientista Marian Diamond foi duramente criticado por possíveis falhas metodológicas e outros vieses.
Com o passar dos anos, a vida foi ficando cada vez mais difícil para Harvey. Ele perdeu seu emprego em Princeton, passou por dois divórcios difíceis e chegou a ter seu registro médico suspenso. Mudou de cidade em cidade nos Estados Unidos, sempre carregando no porta-malas de seu carro o cérebro do ilustre físico fatiado em dois grandes vidros de azeitonas. Ainda que Harvey tenha caído no ostracismo e na pobreza, invariavelmente era contatado pela imprensa, por alguns poucos cientistas e até mesmo fãs curiosos em busca de informações sobre o cérebro.
Um dos admiradores mais inusitados foi um professor de matemática japonês chamado Kenji Sugimoto, que estava atrás de Harvey desde a década de 1970. Em 1994 finalmente Sugimoto encontrou o velho patologista em um minúsculo apartamento em Lawrence, no meio-oeste americano, que Harvey dividia com um estudante de física, cujo aluguel era pago por seu parco salário de empacotador em uma fábrica de plásticos. Sugimoto implorou para ficar com um pedaço do cérebro de Einstein e Harvey calmamente abriu seu armário e retirou os potes de dentro de uma caixa de sidra. Pegou uma faca de cozinha, separou uma fatia e a deu de bom grado ao japonês, que mais tarde comemorou com seu “troféu” em um karaokê local. Sugimoto passou a ostentar por muitos anos o “souvenir” em uma caixa de chá em seu escritório na Universidade de Kinki.
O próprio Harvey às vezes gostava de exibir o cérebro de Einstein. Dizem que, durante os anos em que vivia em Princeton, ele o deixava exposto na sala de jantar e que, durante uma briga com sua então esposa Eloise, ela ameaçou arremessar o vidro com o precioso conteúdo na parede. Cabe ressaltar, porém, que Harvey nunca aceitou dinheiro em troca do cérebro de Einstein, e foram várias as propostas por valorem bem altos, principalmente no final de sua vida, quando se encontrava em dificuldades financeiras. Também tentou se manter fiel à promessa que fez a Nathan de não gerar publicidade em torno do cérebro de Einstein, como fez seu antigo colega Henry Abrahams, que afanou os olhos do cientista e os exibia em seu consultório. Harvey era quacre e vivia sob rígidos padrões morais e religiosos, o que não foi suficiente para apagar a polêmica em torno de sua figura. Ele era um mero ladrão de órgãos ou alguém que realmente acreditava poder contribuir de forma significativa com a ciência?
Em 1996, Harvey, já um homem bastante idoso, decidiu entregar a guarda do cérebro (ou do que restou dele) à Universidade de Princeton. A história do órgão, ainda que bastante inusitada, levanta importantes questões éticas, principalmente no que diz respeito ao consentimento de doação de órgãos (seja qual for a finalidade). Einstein em vida não foi somente um gênio da física, mas também um grande pacifista e defensor dos direitos humanos. O que deve ser eternamente preservado é o seu importante legado, não apenas o cérebro no qual habitavam suas ideias e brilhantismo.