O espaço da mulher na cirurgia e as dificuldades enfrentadas por elas devido ao machismo na área foram discutidos no painel “Mulheres na cirurgia”, um dos eventos que abriu a programação de domingo (5), último dia do 34º Congresso Brasileiro de Cirurgia. O congresso foi realizado entre 2 e 5 de setembro, de forma totalmente virtual.
Moderado pela TCBC Maria Cristina Araújo Maya, o painel contou com a participação da TCBC Fernanda Lage Lima Dantas, da ECBC Elizabeth Gomes dos Santos e da ACBC Flavia Yung Ju.
Ao responderem uma série de perguntas propostas pela moderadora, as convidadas mostraram que, ao longo de suas carreiras, foram vítimas de diversas atitudes machistas que tinham o intuito de minar a confiança delas e dificultar suas trajetórias na especialidade.
Santos, por exemplo, que foi durante 30 anos a única mulher no Serviço de Cirurgia onde trabalha, falou sobre como homens a interrompiam constantemente – prática chamada de manterrupting. Ju contou que, quando passou na prova para se tornar cirurgiã plástica, houve boatos de que a conquista estava atrelada a “dar em cima” de seu chefe – e disse que esse tipo de desmerecimento das capacidades das mulheres ainda é comum.
Dantas destacou o gaslighting, ou seja, a manipulação psicológica a que era submetida quando mostrava que as residentes mulheres não tinham as mesmas oportunidades. Apesar de a situação ser clara, os profissionais homens com quem conviva diziam que aquilo não estava, de fato, acontecendo. “Você começa a duvidar de você, isso vai acabando um pouco com a sua autoestima. Têm boicotes que são silenciosos e, quando vemos, a mulher está sendo preterida”, afirmou.
Conforme as painelistas, debater as atitudes machistas que ainda estão presentes no dia a dia de hospitais e centros cirúrgicos é importante para começar a reverter essa situação. Elas destacaram ainda a necessidade de os homens da área tomarem consciência disso e incluírem mais as mulheres, e também de formar jovens cirurgiãs aptas a lidar com situações assim.
“Precisamos tentar fortalecer as mulheres que querem ser cirurgiãs, a personalidade delas, para que elas não se aterrorizem diante dessas pessoas mal educadas que tentam anulá-las”, disse Santos.
Gestação e rede de apoio
A cirurgiãs falaram ainda sobre um tema que ainda levanta preocupação entre os profissionais da área: a gestação e os possíveis impactos dela na profissão. Para Dantas, a gravidez não impede as cirurgiãs de atuar, embora haja algumas diferenças, como um cansaço maior ao fim do dia de trabalho e uma preocupação com gases anestésicos, que podem ser tóxicos para o feto.
Destacaram ainda a importância de ter uma rede de apoio, formada por companheiros, familiares, amigos e até funcionários, para conseguirem equilibrar a vida profissional e pessoal, já que a cirurgia é uma área que demanda bastante tempo. A rede pode começar a se formar desde a graduação e a residência. “Eu, por exemplo, tenho minha mãe, que além de um apoio é uma inspiração, mas entre colegas de faculdade e residências sempre nos ajudamos muitos, cobrindo plantões, reorganizando funções, etc. Ajudar-se entre mulheres é muito importante”, afirmou Ju.
Santos lembrou que, na história do CBC, demorou 32 anos para uma mulher integrar o quadro de diretores e, depois disso, quase 30 para outra mulher conseguir ocupar um dos cargos mais importantes dentro da diretoria. Conforme ela, ainda hoje são poucas as mulheres que conseguem integrar os quadros e que, em geral, elas não assumem as principais funções – o que precisa mudar, inclusive com a colaboração dos homens. Santos apontou que a criação da Comissão das Mulheres foi uma boa iniciativa da diretoria do CBC, pois é um espaço para a discussão do tema. Além disso, ela lembrou que este foi o terceiro Congresso em que as mulheres tiveram uma atividade para debater os temas relacionados às cirurgiãs.
As participantes acreditam que a falta de representatividade feminina no Colégio pode prejudicá-lo, tornando-o uma instituição antiquada e obsoleta.